Filosofia: Direitos Animais é um conceito onde todos ou alguns animais são capazes de possuir a suas próprias vidas; onde eles vivem por que deveria ter, ou têm, certos direitos morais; e onde alguns direitos básicos deveriam estar contemplados em lei. A visão dos defensores dos direitos animais rejeita o conceito onde os animais são meros bens capitais ou propriedade dedicada ao benefício humano. O conceito é freqüentemente usado de forma confusa com o bem-estar animal, que é uma filosofia que acredita que a crueldade empregada em animais é um problema, mas que não dá direitos morais específicos à eles.A filosofia dos direitos animais não sustenta necessariamente a premissa de que animais humanos e não-humanos são iguais. Por exemplo, os defensores dos direitos animais não defendem o direito de voto para galinhas. Alguns ativistas também fazem distinção entre animais sencientes e auto-conscientes e outras formas de vida, com a crença de que somente animais sencientes ou talvez somente animais que tenha um significante grau de auto-consciência deveriam ter o direito de possuir suas próprias vidas e corpos, independente da forma como são valorizados por humanos. Outros podem estender esse direito para todos os animais incluindo todos que não tenham desenvolvido sistema nervoso ou auto-consciência. Ativistas sustentam a idéia de que qualquer ser humano ou instituição que comodifica animais para alimentação, entretenimento, cosméticos, vestuário, vivissecção ou outra razão qualquer infringe contra os direitos dos animais possuírem a si mesmo e procurarem seus próprios fins.Poucas pessoas poderiam negar que grandes primatas não-humanos são inteligentes, são cientes de sua própria condição, têm objetivos e talvez tornem-se frustrados quando têm sua liberdade podada.Em contraste, animais como a água viva têm sistemas nervosos simples e tendem a serem mais autômatos, capazes de reflexos básicos, mas incapazes de formular qualquer fim para suas ações ou planejar o futuro. Mas a biologia da mente é uma grande caixa preta que clama consideração pela existência e ausência de mente em outros animais. O Neurocientista Sam Harris aponta:Inevitavelmente, cientistas tratam a consciência como mero atributo de certos animais de cérebro grande. O problema, entretanto, não é sobre o cérebro, como ele sobreviveu como sistema físico, através do que é o portador peculiar, a dimensão interna de cada um de nós experiência como consciência em seu próprio caso.... A definição operacional de consciência.... é reportabilidade. Mas consciência e reportabilidade não são a mesma coisa. É uma estrela do mar consciente? Não há ciência que dê conta da consciência com reportabilidade que irá oferecer uma resposta a esta questão. Para olhar para a consciência no mundo com base em seus sinais externados é a única coisa que podemos fazer.E então, quando nos sabemos muitas coisas sobre nós mesmos [e outros animais] em termos anatômicos, psicológicos e evolucionários, nós não estamos tendo idéia do porque é "parecido com algo" para ser o que somos. O fato do universo ser iluminado onde você está, o fato de seus pensamentos, modos e sensações terem uma característica qualitativa é um absoluto mistério. [15]O debate de direitos animais se parece muito com o debate sobre aborto, se complica pela dificuldade em estabelecer um corte claro de distinções entre a base moral e julgamentos políticos. O padrão relacional humano / não-humano é profundamente enraizado na pré-história e nas tradições.Oponentes dos direitos animais têm tentado identificar diferenças moralmente relevantes entre humanos e animais que pudesse justificar a atribuição de direitos e interesses aos primeiros e não aos últimos. Variadas distinções entre humanos já foram propostas, incluindo a posse da alma, a habilidade de usar a linguagem, auto-consciência, um alto grau de inteligência e a habilidade de reconhecer os direitos e interesses alheios. Entretanto, tais critérios encontram dificuldades onde eles não parecem ter aplicação em todos ou somente os humanos: cada um poderia ser aplicado para alguns, mas não para todos humanos ou para todos humanos, mas também alguns animais.[editar] Diferentes posiçõesPeter Singer e Tom Regan são os mais conhecidos defensores da libertação animal, no entanto eles diferem em suas posições filosóficas. Outro influente pensador é Gary L. Francione, que apresenta a visão abolicionista onde animais não-humanos deveriam ter o direito básico de não serem tratados como propriedade de humanos.[editar] Posição baseada em direitosO trabalho de Gary Francione (Introduction to Animal Rights, et.al.) tem a premissa básica de que os animais não-humanos são considerados propriedade e que nessa condição não podem ter garantidos seus direitos. Ele aponta que falar em igual consideração de interesses de sua propriedade contra o próprio interesse do proprietário é uma idéia absurda. Sem o direito básico de não ser propriedade de animais humanos, animais não-humanos não terão quaisquer direitos, ele diz.Francione afirma que a senciência é o único determinante válido para o status moral, diferentemente de Regan que vê degraus qualitativos em experiências subjetivas de "sujeitos-de-uma-vida" de quem cai nesta categoria. Francione afirma que não há atualmente um movimento de direitos animais nos Estados Unidos, mas somente um movimento bem-estarista. Alinhado em sua posição filosófica e em seu trabalho legal pelos direitos animais (Animal Rights Law Project [1]) na Universidade de Rutgers University, ele aponta que um esforço para aqueles que não advogam a abolição do status de propriedade dos animais é desorientado, em seus inevitáveis resultados na institucionalização da exploração animal. Em sua lógica inconsistente e falida nunca alcançarão seus objetivos melhorando as condições de tratamento (posição neobem-estarista), ele argumenta. Pior que isso, Francione acredita que muitos grupos estão a tornar mais eficiente e lucrativo o negócio de exploração animal. Francione sustenta que a sociedade dando o status de membros da família para cães e gatos e ao mesmo tempo matando galinhas, vacas e porcos para alimentação sofre de uma "esquizofrenia moral".Toda a posição abolicionista acredita que o movimento de direitos animais deve se basear na educação para o veganismo, como uma forma de colocar em prática as mudanças no próprio dia-a-dia.[editar] Tom ReganTom Regan (The Case for Animal Rights e Jaulas Vazias) afirma que animais não-humanos são "sujeitos-de-uma-vida", carecem de direitos como humanos. Ele afirma que os direitos morais dos humanos são baseados na possessão de certas habilidades cognitivas. Essas habilidades são compartilhadas pelo menos por alguns animais não-humanos sendo assim alguns animais deveriam ter os mesmos direitos morais que seres humanos.Animais nessa classe tem um valor intrínseco como indivíduos, e não podem ser desrespeitados como meios para um fim. Isso é também chamado visão de "dever direto". De acordo com Regan, nós deveríamos abolir a criação de animais para comida, experimentação e caça comercial. A teoria de Regan não se estende para todos os animais sencientes, mas somente para aqueles que podem ser enquadrados como "sujeitos-de-uma-vida". Ele coloca, por exemplo, que todos os mamíferos com pelo menos um ano de idade pode ser qualificado nessa categoria.Equanto Singer se concentra a princípio em melhorar o tratamento dos animais e aceita que animais poderiam ser legitimamente usados para benefício (humano ou não-humano), Regan acredita que temos a obrigação moral de tratar animais como nos trataríamos pessoas e aplica a idéia estrita Kantiana que eles nunca deveriam ser sacrificados como simples meios para fins e sim, como fins para eles mesmos. É notável a idéia de que mesmo Kant não acreditava que animais eram assunto para o que ele chamava de lei moral; ele acreditava que nós temos o dever moral de mostrar compaixão, porque não podemos nos embrutecer e não pelos animais em si.[editar] Posição UtilitaristaEmbora Singer seja considerado erroneamente o fundador do movimento atual de direitos animais, sua posição frente o status moral dos animais não é baseado no conceito de direitos, mas no conceito utilitarista de igual consideração de interesses. No seu livro Libertação Animal de 1975, ele argumenta que os humanos devem ter como base de consideração moral não a inteligência (temos o caso uma criança ou uma pessoa com problemas mentais) nem na habilidade de fazer julgamentos morais (criminosos e insanos) ou em qualquer outro atributo que é inerentemente humano, mas sim na habilidade de experienciar a dor. Como animais também experienciam a dor, ele argumenta que excluir animais dessa forma de consideração é uma discriminação chamada "especismo."Singer diz que as formas mais comuns que humanos usam animais não são justificáveis, porque os benefícios para os humanos são ignoráveis comparado à quantidade de dor animal necessária para construção desses benefícios. E também porque os mesmos benefícios poderiam ser obtidos de formas que não envolvessem o mesmo grau de sofrimento. No entando sua argumentação se aproxima do bem-estarismo clássico, chegando a defender a carne orgânica [16] e a experimentação animal [17].[editar] Bem-estarismoCríticos dos direitos animais argumentam que animais não tem a capacidade de entrar em contrato social, fazer escolhas morais[18] e que não podem respeitar o direito de outros ou não entendem o conceito de direitos, sendo assim não podem ser colocados como possuidores de direitos morais. O filósofo Roger Scruton argumenta que somente os seres humanos têm capacidades e que "o teorema é inescapável: apenas nós temos direitos". Críticos que defendem essa posição também levantam que não há nada inerentemente errado com o uso de animais para comida, como entretenimento e em pesquisa, embora os seres humanos não obstante tenham a obrigação de assegurar que animais não sofram desnecessariamente. [19][20] Essa posição tem sido chamada de bem-estarista e tem sido propagada por alguns das mais antigas organizações de proteção animal: por exemplo a "Sociedade Real pela Prevenção de Crueldades contra Animais", no Reino Unido. Essa argumentação é refutada pelos defensores dos Direitos Animais como uma análise especista e que na verdade só implica em um uso mais eficiente e lucrativo da exploração animal.[editar] LeisAutores como Gary Francione apontam que hoje não existem leis de direitos animais em nenhum lugar do mundo, pois para isso seria necessário abolir incrementalmente a condição de propriedade dos animais. O que existem são leis bem-estaristas que "protegem" os animais enquanto propriedade humana. No Brasil a disciplina jurídica da fauna, apontando-se as Ordenações Filipinas, como a primeira lei que regulamentou a matéria. Atualmente, os maus-tratos de animais são crimes previstos no artigo 32 da Lei Federal nº 9.605, chamada de Lei de Crimes Ambientais. Para o infrator, a lei imputa multa ou pena de três meses a um ano de prisão. Para tanto, basta fazer uma denúncia para qualquer órgão competente: Delegacia do Meio Ambiente, Ibama, Polícia Florestal, Ministério Público, Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ou até mesmo na Corregedoria da Polícia Civil.[editar] Animais utilizados em guerrasDurante a Segunda Guerra, o exército britânico treinava cachorros para correrem embaixo dos tanques e deixar explosivos em território inimigo. Sem sucesso, a idéia foi abandonada depois que bombas explodiram tanques aliados.O exército estadunidense, por sua vez, fez com que gatos fossem atirados de aviões, amarrados a bombas, para que chegassem até os navios alemães. A experiência foi suspensa porque os felinos ficavam inconscientes com a queda e não alcançavam o território visado.No dia 1 de julho de 1946, a marinha estadunidense usou 5.664 animais para testar armas atômicas no sul do Pacífico, com o objetivo de observar o efeito da radiação na pele dos animais e desenvolver roupas de proteção. 10% dos animais morreram na hora; outros 25% morreram nos vinte dias seguintes.Já no ano de 2003, no Golfo Pérsico, no Iraque, nove golfinhos e leões-marinhos se tornaram os primeiros mamíferos a atuar na limpeza de minas em situação de combate. Também passaram a proteger píeres, barcos e ancoradouros contra mergulhadores, nadadores e navios não autorizados.Afegãos e palestinos utilizaram no início do século XXI camelos para atacar inimigos. Em 26 de janeiro de 2003, um burro morreu numa explosão detonada por celular, em um ponto de ônibus de Israel, onde nenhum humano foi ferido.[editar] Associações de Direitos Animais em Portugal e no BrasilNo Brasil, existem alguns grupos de Direitos Animais como o GAE e o Gato Negro.Em Portugal existem os grupos Acção Animal, ANIMAL e LPDA.[editar] Ver tambémO Wikiquo
quarta-feira, 28 de maio de 2008
A defesa dos direitos animais, da libertação animal ou simplesmente abolicionismo [1] constitui um movimento que luta contra qualquer uso de animais não-humanos que os transforme em propriedades de seres humanos, ou seja, meios para fins humanos. É um movimento social radical[2] [3] que não se contenta em regular o uso "humanitário" de animais[4], mas que procura incluí-los numa mesma comunidade moral [5] que os humanos, fornecendos os interesses básicos aos animais, protegendo da dor, por exemplo, e dando a mesma consideração que os interesses humanos. [6] A reivindicação é de que os animais não sejam propriedade ou "recursos naturais" nem legalmente, nem moralmente justificáveis, pelo contrário deveriam ser considerados pessoas. [7] Os defensores dos direitos animais advogam o veganismo como forma de abolir a exploração animal de forma direta no dia-a-dia.
Cursos de lei animal estão agora inclusos em 69 das 180 escolas de direito dos Estados Unidos[8], a idéia da extensão da qualidade de pessoas (ou sujeito de direito) é defendida por vários professores como Alan Dershowitz[9] e Laurence Tribe da Harvard Law School. [7] No Brasil destacam-se os promotores de justiça Laerte Levai e Heron Santana. O Projeto dos Grandes Primatas (GAP) está em campanha para a adoção da declaração dos Grandes Primatas, que deve contemplar gorilas, orangotangos, chimpanzés e bonobos numa "comunidade dos iguais", juntamente com seres humanos, estendendo para estes os três interesses básicos: direito à vida, proteção da liberdade individual e proibição da tortura. [10] Este tem sido visto pelo um crescente número de advogados pelos diretos animais como um primeiro passo para a garantia de direitos para outros animais, outros enxergam como uma forma de exclusão do. [1][11]
Com uma característica condenada como bem-estarista pelos defensores de direitos animais, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada em assembléia, pela UNESCO, em Bruxelas, no dia 27 de janeiro de 1978.
Índice[esconder]
1 História do conceito
2 História do movimento moderno
3 Filosofia
3.1 Diferentes posições
3.1.1 Posição baseada em direitos
3.1.2 Tom Regan
3.1.3 Posição Utilitarista
4 Bem-estarismo
5 Leis
6 Animais utilizados em guerras
7 Associações de Direitos Animais em Portugal e no Brasil
8 Ver também
9 Notas
10 Referências
11 Ligações externas
//
[editar] História do conceito
Jeremy Bentham (1748-1832) é considerado um dos escritores que ampliaram o campo para a posterior elaboração dos direitos animais
O debate sobre direitos animais no século XX pode ser traçado no passado, na história dos primeiros filósofos. [6] No século VI a.C., Pitágoras, filósofo e matemático, já falava sobre respeito animal, pois acreditava na transmigração de almas. Aristóteles, escreveu no século IV a.C., argumentando que os animais estavam distantes dos humanos na Grande Corrente do Ser ou escala natural. Alegando irracionalidade, concluía assim sendo os animais não teriam interesse próprio, existindo apenas para benefício dos Seres Humanos. [6]
No século XVII, o filósofo francês René Descartes argumenta que animais não têm almas, logo não pensam e não sentem dor, sendo assim os maus-tratos não eram errados. Contra isso, Jean-Jacques Rousseau argumenta, no prefácio do seu Discursos sobre a Desigualdade (1754), que os seres humanos são animais, embora ninguém "exima-se de intelecto e liberdade". [12] Entretanto, como animais são seres sencientes "eles deveriam também participar do direito natural e que o homem é responsável no cumprimento de alguns deveres deles, especificamente "um tem o direito de não ser desnecessariamente maltratado pelo outro." [12]
Também Voltaire respondeu a Descartes no seu Dicionário Filosófico:
Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias.Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.
Um contemporâneo de Rousseau, o escritor escocês John Oswald, que morreu em 1793, no livro The Cry of Nature or an Appeal to Mercy and Justice on Behalf of the Persecuted Animals, argumenta que um Ser Humano é naturalmente equipado de sentimentos de misericórdia e compaixão. "Se cada Ser Humano tivesse que testemunhar a morte do animal que ele come", ele argumenta, "a dieta vegetariana seria bem mais popular". A divisão do trabalho, no entanto, permite que o homem moderno coma carne sem passar pela experiência que Oswald chama de alerta para as sensibilidades naturais do Ser Humano, enquanto a brutalização do homem moderno faz dele um acomodado com essa falta de sensibilidade.
Mais tarde, no século XVIII, um dos fundadores do utilitarismo moderno, o filósofo britânico Jeremy Bentham, argumenta que a dor animal é tão real e moralmente relevante como a dor humana e que "talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania". [13] Bentham argumenta ainda que a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida para como nós tratamos outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos Seres Humanos incluindo bebês e pessoas especiais, teriam também que serem tratados como coisas, escrevendo o famosos trecho: "A questão não é eles pensam ? Ou eles falam? A questão é: eles sofrem".
No século XIX, Arthur Schopenhauer argumenta que os animais têm a mesma essência que os humanos, a despeito da falta da razão. Embora considere o vegetarianismo como uma boa causa, não o considera moralmente necessário e assim posiciona-se contra a vivissecção, como uma expansão da consideração moral para os animais. Sua crítica à ética Kantiana é uma vasta e freqüente polêmica contra a exclusão dos animais em seu sistema moral, que pode ser exemplificada pela famosa frase: "Amaldiçoada toda moralidade que não veja uma unidade essencial em todos os olhos que enxergam o sol."
O conceito de direitos animais foi assunto de um influente livro em 1892, Animals' Rights: Considered in Relation to Social Progress, escrito pelo reformista britânico Henry Salt que formou a Liga Humanitária (Humanitarian League) um ano mais cedo, com o objetivo de banir a caçada como esporte.
[editar] História do movimento moderno
O movimento moderno de direitos animais pode ser traçado no início da década de 70 e é um dos poucos exemplos de movimentos sociais que foram criados por filosófos [3] e que permaneceram na dianteira do movimento. No início da década de 70 um grupo de filósofos da Univesidade de Oxford começou questionar porque o status moral dos animais não-humanos era necessariamente inferior à dos seres humanos. [3] Esse grupo incluía o psicólogo Richard D. Ryder, que cunhou o termo "especiecismo" em 1970, usado num panfleto impresso [14] para descrever os interesses dos seres na base de membros de espécies particulares.
Ryder tornou-se um contribuidor com o influente livro Animals, Men and Morals: An Inquiry into the Maltreatment of Non-humans, editado por Roslind e Stanley Godlovitch e John Harris e publicado em 1972. Foi numa resenha de seu livro para o New York Review of Books que Peter Singer, agora Professor de Bioética na University Center for Human Values na Universidade de Princeton, resolveu em 1975 lançar Libertação Animal o livro é freqüentemente citado como a "bíblia" do movimento de direitos animais, mas que na realidade não concede direitos morais, nem legais para os animais não-humanos, pois basea-se no utilitarismo .
Nas décadas de 80 e 90 o movimento se juntou numa larga variedade de grupos profissionais e acadêmicos, incluindo teólogos, juizes, físicos, psicologistas, psiquiatras, veterinários, [6] patologistas e antigos vivisseccionistas.
Livros considerados como referência são Animals, Property, and the Law (1995), Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement (1996) e Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog (2000) de Gary Francione, The Case for Animal Rights (1983) de Tom Regan; Created from Animals: The Moral Implications of Darwinism (1990) de James Rachels, Rattling the Cage: Toward Legal Rights for Animals (2000) de Steven M. Wise e Animal Rights and Moral Philosophy (2005) de Julian H. Franklin. [6]
Cursos de lei animal estão agora inclusos em 69 das 180 escolas de direito dos Estados Unidos[8], a idéia da extensão da qualidade de pessoas (ou sujeito de direito) é defendida por vários professores como Alan Dershowitz[9] e Laurence Tribe da Harvard Law School. [7] No Brasil destacam-se os promotores de justiça Laerte Levai e Heron Santana. O Projeto dos Grandes Primatas (GAP) está em campanha para a adoção da declaração dos Grandes Primatas, que deve contemplar gorilas, orangotangos, chimpanzés e bonobos numa "comunidade dos iguais", juntamente com seres humanos, estendendo para estes os três interesses básicos: direito à vida, proteção da liberdade individual e proibição da tortura. [10] Este tem sido visto pelo um crescente número de advogados pelos diretos animais como um primeiro passo para a garantia de direitos para outros animais, outros enxergam como uma forma de exclusão do. [1][11]
Com uma característica condenada como bem-estarista pelos defensores de direitos animais, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada em assembléia, pela UNESCO, em Bruxelas, no dia 27 de janeiro de 1978.
Índice[esconder]
1 História do conceito
2 História do movimento moderno
3 Filosofia
3.1 Diferentes posições
3.1.1 Posição baseada em direitos
3.1.2 Tom Regan
3.1.3 Posição Utilitarista
4 Bem-estarismo
5 Leis
6 Animais utilizados em guerras
7 Associações de Direitos Animais em Portugal e no Brasil
8 Ver também
9 Notas
10 Referências
11 Ligações externas
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[editar] História do conceito
Jeremy Bentham (1748-1832) é considerado um dos escritores que ampliaram o campo para a posterior elaboração dos direitos animais
O debate sobre direitos animais no século XX pode ser traçado no passado, na história dos primeiros filósofos. [6] No século VI a.C., Pitágoras, filósofo e matemático, já falava sobre respeito animal, pois acreditava na transmigração de almas. Aristóteles, escreveu no século IV a.C., argumentando que os animais estavam distantes dos humanos na Grande Corrente do Ser ou escala natural. Alegando irracionalidade, concluía assim sendo os animais não teriam interesse próprio, existindo apenas para benefício dos Seres Humanos. [6]
No século XVII, o filósofo francês René Descartes argumenta que animais não têm almas, logo não pensam e não sentem dor, sendo assim os maus-tratos não eram errados. Contra isso, Jean-Jacques Rousseau argumenta, no prefácio do seu Discursos sobre a Desigualdade (1754), que os seres humanos são animais, embora ninguém "exima-se de intelecto e liberdade". [12] Entretanto, como animais são seres sencientes "eles deveriam também participar do direito natural e que o homem é responsável no cumprimento de alguns deveres deles, especificamente "um tem o direito de não ser desnecessariamente maltratado pelo outro." [12]
Também Voltaire respondeu a Descartes no seu Dicionário Filosófico:
Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias.Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.
Um contemporâneo de Rousseau, o escritor escocês John Oswald, que morreu em 1793, no livro The Cry of Nature or an Appeal to Mercy and Justice on Behalf of the Persecuted Animals, argumenta que um Ser Humano é naturalmente equipado de sentimentos de misericórdia e compaixão. "Se cada Ser Humano tivesse que testemunhar a morte do animal que ele come", ele argumenta, "a dieta vegetariana seria bem mais popular". A divisão do trabalho, no entanto, permite que o homem moderno coma carne sem passar pela experiência que Oswald chama de alerta para as sensibilidades naturais do Ser Humano, enquanto a brutalização do homem moderno faz dele um acomodado com essa falta de sensibilidade.
Mais tarde, no século XVIII, um dos fundadores do utilitarismo moderno, o filósofo britânico Jeremy Bentham, argumenta que a dor animal é tão real e moralmente relevante como a dor humana e que "talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania". [13] Bentham argumenta ainda que a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida para como nós tratamos outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos Seres Humanos incluindo bebês e pessoas especiais, teriam também que serem tratados como coisas, escrevendo o famosos trecho: "A questão não é eles pensam ? Ou eles falam? A questão é: eles sofrem".
No século XIX, Arthur Schopenhauer argumenta que os animais têm a mesma essência que os humanos, a despeito da falta da razão. Embora considere o vegetarianismo como uma boa causa, não o considera moralmente necessário e assim posiciona-se contra a vivissecção, como uma expansão da consideração moral para os animais. Sua crítica à ética Kantiana é uma vasta e freqüente polêmica contra a exclusão dos animais em seu sistema moral, que pode ser exemplificada pela famosa frase: "Amaldiçoada toda moralidade que não veja uma unidade essencial em todos os olhos que enxergam o sol."
O conceito de direitos animais foi assunto de um influente livro em 1892, Animals' Rights: Considered in Relation to Social Progress, escrito pelo reformista britânico Henry Salt que formou a Liga Humanitária (Humanitarian League) um ano mais cedo, com o objetivo de banir a caçada como esporte.
[editar] História do movimento moderno
O movimento moderno de direitos animais pode ser traçado no início da década de 70 e é um dos poucos exemplos de movimentos sociais que foram criados por filosófos [3] e que permaneceram na dianteira do movimento. No início da década de 70 um grupo de filósofos da Univesidade de Oxford começou questionar porque o status moral dos animais não-humanos era necessariamente inferior à dos seres humanos. [3] Esse grupo incluía o psicólogo Richard D. Ryder, que cunhou o termo "especiecismo" em 1970, usado num panfleto impresso [14] para descrever os interesses dos seres na base de membros de espécies particulares.
Ryder tornou-se um contribuidor com o influente livro Animals, Men and Morals: An Inquiry into the Maltreatment of Non-humans, editado por Roslind e Stanley Godlovitch e John Harris e publicado em 1972. Foi numa resenha de seu livro para o New York Review of Books que Peter Singer, agora Professor de Bioética na University Center for Human Values na Universidade de Princeton, resolveu em 1975 lançar Libertação Animal o livro é freqüentemente citado como a "bíblia" do movimento de direitos animais, mas que na realidade não concede direitos morais, nem legais para os animais não-humanos, pois basea-se no utilitarismo .
Nas décadas de 80 e 90 o movimento se juntou numa larga variedade de grupos profissionais e acadêmicos, incluindo teólogos, juizes, físicos, psicologistas, psiquiatras, veterinários, [6] patologistas e antigos vivisseccionistas.
Livros considerados como referência são Animals, Property, and the Law (1995), Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement (1996) e Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog (2000) de Gary Francione, The Case for Animal Rights (1983) de Tom Regan; Created from Animals: The Moral Implications of Darwinism (1990) de James Rachels, Rattling the Cage: Toward Legal Rights for Animals (2000) de Steven M. Wise e Animal Rights and Moral Philosophy (2005) de Julian H. Franklin. [6]
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história do direito dos animais
direito dos animais - livros
16 GOLDIN, José Roberto, RAYMUNDO, Márcia Mocellin. UFRGS. Pesquisa em saúde e direito dos animais In: www.ufrgs.br/hcps, p. 4-5.
17 Idem, ibidem, p. 5
18 Idem, ibidem, p. 5
19 Idem, ibidem.
20 Idem, ibidem.
21 NAHRA, Alessandra. A revolução dos bichos. In: www.terra.com/planetaweb/.
22 Íntegra da Declaração em anexo.
23 SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 282.
24 Íntegra da carta do chefe Seatle em anexo.
25 Vista do espaço, a Terra poderia ser descrita como ‘o planeta azul’ por uma civilização extraterrestre. Seus membros poderiam depreender que as áreas azuis são ocupadas por água, que as calotas polares brancas são cobertas por gelo e que o planeta possui uma atmosfera na qual se deslocam imensas nuvens de vapor d’água (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 940).
26 DIAS, Edna Cardozo. A proteção da fauna na legislação brasileira. In: http:/www.aobmg.org.br/escola.
27 Idem, ibidem
28 Base de dados que reúne a legislação federal brasileira. In: www.senado.gov.br
29 Princípios éticos na experimentação com animais. In: www.meusite.com.br/COBEA/ética
30 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p.1
31 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p. 2-3.
32 Segundo notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 27-4-2002, na coluna de Armando Burd, o autor do projeto tem recebido e-mails de entidades de defesa do meio ambiente dos Estados Unidos e Austrália, demonstrando interesse no código.
33 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo : Malheiros. 16. ed. rev. e atual. 2000, p. 38.
34 ACKEL F. Diomar. Op. cit., p 113.
35 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel.
Op. cit., p. 38
36 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 258.
37 Fauna pode ser conceituada como o conjunto de espécies animais de um determinado país ou região (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 727).
38 ACKEL F., Diomar, Ob. cit, p. 61.
39 GOMES, Orlando. Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro : Forense, 12ª ed., p. 220.
40 Quando em poder do homem, o animal se constitui como bem seu, e assim dele pode dispor, vendê-lo, dá-lo ou trocá-lo, desde que tenha qualidade e capacidade para alienar bens que lhe pertençam (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de janeiro :Forense. 1987, vol. I, p. 153.
41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol.2. São Paulo : Atlas, p. 270.
42 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. cit., p. 70
43 Idem, ibidem, p. 70-71
44 ACKEL F., Diomar. Ob. cit., p. 133.
45 O art. 593 do Código Civil dispõe que "são coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I – os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade".
46 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 731.
47 BRANDÃO NETO, João Marques. Crimes ambientais da Lei 9.605: competência federal ou estadual? In http://www.anpr.org.br/boletim/boletim13/crimesambientais.htm
48 Em sessão realizada no dia 08 de novembro de 2000, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça deliberou pelo CANCELAMENTO da Súmula n.º 91 (Diário de Justiça da União, de 23.11.2000), cujo teor asseverava: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna".
49 FELIPE, Sônia T. O sacrifício do outro. In: www.geocites.com/redeniche
50 In: www.apasfa.org/futuro/rodeios
51 STEFFENS, Vânia Antunes. Ética na experimentação animal. In: www.bit.uem.br/ética.htm
52 "O trabalho de Darwin reforçou a crença na continuidade entre a evolução humana e a animal. Essa crença parecia justificar muitas teorizações a respeito da humanidade, baseadas em experimentos com animais" (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 252)
53 GOLDIN, J. R. e RAYMUNDO, M.M. Ob. cit.
54 Idem, ibidem.
55 DIAS, Edna Cardozo, A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos,. 2000, p. 111.
56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 736.
57 Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 147
58 Esses dados foram obtidos em programa televisivo da National Geographic.
59 DIAS, Edna Cardoso. Ob. cit., p. 234.
60 Íntegra da petição em anexo.
61 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p. 2.
62 MONTORO, André Franco. Ob. cit, p. 298-300
63 ROUSSEAU, J.-.J. O contrato social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo : Martins Fontes, 1998.
64 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 89.
65 Idem, ibidem, p. 90.
66 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo : Brasiliense, 17a. ed., 1995, p. 39.
67 Idem, ibidem, p. 41.
68 dem, ibidem, p. 42.
69 Idem, ibidem, p. 42.
70 Idem, ibidem, p. 42.
71 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo : Companhia das Letras, 1998, p. 35.
72 "O rei Creon proíbe o sepultamento de Polínice, irmão de Antígona. Mas esta desrespeita a ordem recebida e sepulta o irmão, alegando que, acima da ordem positiva do Rei, devia cumprir certas leis não escritas: ‘que não são nem de hoje, nem de ontem; Têm existência eterna (ninguém lhes assinala o nascimento); Nem poderia eu desafiá-las e enfrentar a vingança divina; Por temer a cólera de qualquer homem’." (MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 257).
73 VARGA, Andrew. Ética da lei natural. In : http:/eumat.vilabol.uol.com.br/leinatural.htm
74 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo : Martins Fontes, 1996, p. 67;
75 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p. 15-24;
76 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 24;
77 BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília : UnB, 1998, 11ª ed., p. 660.
78 Idem, ibidem, p. 661.
79 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 258.
80 Idem,ibidem, p. 259.
81 Idem, ibidem, p. 259
82 Idem, ibidem, p. 128-129.
83 Idem, ibidem, p. 121-140.
84 Idem, ibidem, p. 127.
85 Idem, ibidem, p. 130.
86 Idem, ibidem, p. 131.
87 O especismo é a discriminação com base na espécie.
88 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 68.
89 NAHRA, Alessandra. Ob. cit..
90 FELIPE, Sônia T. Op. cit., p. 4.
91 No oriente, especialmente na Índia, os animais ocupam posição de destaque. O gado, por exemplo, é considerado sagrado. Até mesmo os ratos são merecedores de proteção.
92 Em Psicologia, Quociente Intelectual.
93 FELIPE, Sonia T. Op. cit, p. 2.
94 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 67.
95 Movimento dos Direitos dos Animais. In: www.vegeratianismo.com.br
96 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa : Edições 70.2000, p. 47.
97 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 19.
98 Idem, ibidem, p. 66.
99 Idem, ibidem, p. 67.
100 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 35.
101 Idem, ibidem, p. 52.
102 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p.1.
103 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 69.
104 Idem, ibidem, p. 68.
105 Quanto à inexorabilidade do agir do animal, causou perplexidade, recentemente, no mundo científico, o caso noticiado nas redes de televisão, em que uma leoa "adotou" um filhote de cervo. Afirmava a reportagem que a adoção entre os animais não era incomum. Todos já vimos ou ouvimos falar em cadelas que adotam gatinhos, patas que aninham pintinhos, leitoas que dão de mamar para cachorrinhos, etc. Mas no caso narrado, a perplexidade era devida ao fato de a "adoção" ter ocorrido entre um predador e sua presa. Isso prova que os homens ainda não sabem o suficiente sobre a inteligência e a sensibilidade dos animais.
106 O imperativo prático de Kant é: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio".
17 Idem, ibidem, p. 5
18 Idem, ibidem, p. 5
19 Idem, ibidem.
20 Idem, ibidem.
21 NAHRA, Alessandra. A revolução dos bichos. In: www.terra.com/planetaweb/.
22 Íntegra da Declaração em anexo.
23 SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 282.
24 Íntegra da carta do chefe Seatle em anexo.
25 Vista do espaço, a Terra poderia ser descrita como ‘o planeta azul’ por uma civilização extraterrestre. Seus membros poderiam depreender que as áreas azuis são ocupadas por água, que as calotas polares brancas são cobertas por gelo e que o planeta possui uma atmosfera na qual se deslocam imensas nuvens de vapor d’água (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 940).
26 DIAS, Edna Cardozo. A proteção da fauna na legislação brasileira. In: http:/www.aobmg.org.br/escola.
27 Idem, ibidem
28 Base de dados que reúne a legislação federal brasileira. In: www.senado.gov.br
29 Princípios éticos na experimentação com animais. In: www.meusite.com.br/COBEA/ética
30 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p.1
31 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p. 2-3.
32 Segundo notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 27-4-2002, na coluna de Armando Burd, o autor do projeto tem recebido e-mails de entidades de defesa do meio ambiente dos Estados Unidos e Austrália, demonstrando interesse no código.
33 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo : Malheiros. 16. ed. rev. e atual. 2000, p. 38.
34 ACKEL F. Diomar. Op. cit., p 113.
35 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel.
Op. cit., p. 38
36 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 258.
37 Fauna pode ser conceituada como o conjunto de espécies animais de um determinado país ou região (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 727).
38 ACKEL F., Diomar, Ob. cit, p. 61.
39 GOMES, Orlando. Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro : Forense, 12ª ed., p. 220.
40 Quando em poder do homem, o animal se constitui como bem seu, e assim dele pode dispor, vendê-lo, dá-lo ou trocá-lo, desde que tenha qualidade e capacidade para alienar bens que lhe pertençam (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de janeiro :Forense. 1987, vol. I, p. 153.
41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol.2. São Paulo : Atlas, p. 270.
42 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. cit., p. 70
43 Idem, ibidem, p. 70-71
44 ACKEL F., Diomar. Ob. cit., p. 133.
45 O art. 593 do Código Civil dispõe que "são coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I – os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade".
46 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 731.
47 BRANDÃO NETO, João Marques. Crimes ambientais da Lei 9.605: competência federal ou estadual? In http://www.anpr.org.br/boletim/boletim13/crimesambientais.htm
48 Em sessão realizada no dia 08 de novembro de 2000, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça deliberou pelo CANCELAMENTO da Súmula n.º 91 (Diário de Justiça da União, de 23.11.2000), cujo teor asseverava: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna".
49 FELIPE, Sônia T. O sacrifício do outro. In: www.geocites.com/redeniche
50 In: www.apasfa.org/futuro/rodeios
51 STEFFENS, Vânia Antunes. Ética na experimentação animal. In: www.bit.uem.br/ética.htm
52 "O trabalho de Darwin reforçou a crença na continuidade entre a evolução humana e a animal. Essa crença parecia justificar muitas teorizações a respeito da humanidade, baseadas em experimentos com animais" (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 252)
53 GOLDIN, J. R. e RAYMUNDO, M.M. Ob. cit.
54 Idem, ibidem.
55 DIAS, Edna Cardozo, A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos,. 2000, p. 111.
56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 736.
57 Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 147
58 Esses dados foram obtidos em programa televisivo da National Geographic.
59 DIAS, Edna Cardoso. Ob. cit., p. 234.
60 Íntegra da petição em anexo.
61 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p. 2.
62 MONTORO, André Franco. Ob. cit, p. 298-300
63 ROUSSEAU, J.-.J. O contrato social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo : Martins Fontes, 1998.
64 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 89.
65 Idem, ibidem, p. 90.
66 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo : Brasiliense, 17a. ed., 1995, p. 39.
67 Idem, ibidem, p. 41.
68 dem, ibidem, p. 42.
69 Idem, ibidem, p. 42.
70 Idem, ibidem, p. 42.
71 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo : Companhia das Letras, 1998, p. 35.
72 "O rei Creon proíbe o sepultamento de Polínice, irmão de Antígona. Mas esta desrespeita a ordem recebida e sepulta o irmão, alegando que, acima da ordem positiva do Rei, devia cumprir certas leis não escritas: ‘que não são nem de hoje, nem de ontem; Têm existência eterna (ninguém lhes assinala o nascimento); Nem poderia eu desafiá-las e enfrentar a vingança divina; Por temer a cólera de qualquer homem’." (MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 257).
73 VARGA, Andrew. Ética da lei natural. In : http:/eumat.vilabol.uol.com.br/leinatural.htm
74 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo : Martins Fontes, 1996, p. 67;
75 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p. 15-24;
76 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 24;
77 BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília : UnB, 1998, 11ª ed., p. 660.
78 Idem, ibidem, p. 661.
79 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 258.
80 Idem,ibidem, p. 259.
81 Idem, ibidem, p. 259
82 Idem, ibidem, p. 128-129.
83 Idem, ibidem, p. 121-140.
84 Idem, ibidem, p. 127.
85 Idem, ibidem, p. 130.
86 Idem, ibidem, p. 131.
87 O especismo é a discriminação com base na espécie.
88 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 68.
89 NAHRA, Alessandra. Ob. cit..
90 FELIPE, Sônia T. Op. cit., p. 4.
91 No oriente, especialmente na Índia, os animais ocupam posição de destaque. O gado, por exemplo, é considerado sagrado. Até mesmo os ratos são merecedores de proteção.
92 Em Psicologia, Quociente Intelectual.
93 FELIPE, Sonia T. Op. cit, p. 2.
94 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 67.
95 Movimento dos Direitos dos Animais. In: www.vegeratianismo.com.br
96 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa : Edições 70.2000, p. 47.
97 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 19.
98 Idem, ibidem, p. 66.
99 Idem, ibidem, p. 67.
100 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 35.
101 Idem, ibidem, p. 52.
102 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p.1.
103 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 69.
104 Idem, ibidem, p. 68.
105 Quanto à inexorabilidade do agir do animal, causou perplexidade, recentemente, no mundo científico, o caso noticiado nas redes de televisão, em que uma leoa "adotou" um filhote de cervo. Afirmava a reportagem que a adoção entre os animais não era incomum. Todos já vimos ou ouvimos falar em cadelas que adotam gatinhos, patas que aninham pintinhos, leitoas que dão de mamar para cachorrinhos, etc. Mas no caso narrado, a perplexidade era devida ao fato de a "adoção" ter ocorrido entre um predador e sua presa. Isso prova que os homens ainda não sabem o suficiente sobre a inteligência e a sensibilidade dos animais.
106 O imperativo prático de Kant é: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio".
É a solidariedade e a sensibilidade para com todas as criaturas que torna um homem verdadeiramente humano
Os animais – selvagens, silvestres ou domésticos – a exemplo do homem, são detentores de uma dignidade que lhes é própria. Assim sendo, têm direito à vida e a uma existência dignas, resguardadas as características de cada espécie. Como conseqüência desse direito, aos humanos impõem-se o dever e a obrigação, não apenas moral, mas também jurídica, de se absterem de qualquer prática abusiva, violenta, cruel, degradante para com os animais.
Diante disso, sustenta-se que: 1) não são todos os direitos dos seres humanos que devem fazer parte do rol dos direitos dos animais. O homem, por ser dotado de razão, tem direito à educação; já para o animal, forçá-lo ao aprendizado pode caracterizar, e muitas vezes assim o é, dependendo dos métodos utilizados, maus-tratos e abuso. Por exemplo, o "adestramento" dos animais para atuarem nos circos quase sempre faz uso de métodos cruéis. 2) há uma base mínima de direitos inerentes a todos os seres vivos: direito de viver, direito à liberdade, direito de se alimentar, de saciar a sede, de proteger-se do frio, de perpetuar a espécie, de não sofrer violência ou crueldades.
Além disso, a cada espécie, em razão de suas características peculiares, devem ser reconhecidos direitos que lhes são próprios: ao homem, porque dotado de razão e consciência, o direito de instruir-se; aos pássaros, porque dotados de asas, o direito de voarem livremente, constituindo por isso violação a esse direito engaiolá-los; aos peixes, nadar; aos macacos, pular de galho em galho nas florestas; aos animais selvagens, viver livremente na selva, constituindo obrigação da espécie humana, preservar as florestas e as matas, habitat dos animais.
Constitui, ainda, direito dos animais que foram domesticados pelo homem, além de não sofrerem quaisquer tipos de maus-tratos e violências, serem devidamente alimentados, abrigados em ambiente salubre e adequado, não serem obrigados a trabalhar além de suas forças, receberem assistência em caso de doença ou enfermidade. Com isso, quer-se afirmar ser direito dos animais domesticados não ficarem abandonados à própria sorte, pois não mais dispõem dos instintos naturais que os capacitam a uma vida livre, em que possam prover-se a si mesmos.
Em relação ao consumo de carne animal, dir-se-ia que há poucos milhares de anos, o ser humano vivia basicamente da caça. Gradativamente, aprendeu a cultivar a terra e passou a se alimentar também de cereais, vegetais e frutas. Embora nas últimas décadas tenha dominado a técnica da reprodução em massa de animais em confinamento, e com isso criado uma linha completa de alimentos congelados e pré-prontos, que alivia a consciência e a repulsa dos consumidores, pois não precisam cortar a carne, nem lidar com o sangue de suas vítimas, crê-se firmemente que dia chegará em que o homem tomará consciência de que não é correto alimentar-se de seus companheiros de jornada neste planeta. Compreenderá, então, que o valor de uma vida não pode ser relativizado, ele é sempre o mesmo, independentemente de quem seja o seu detentor – um porco ou um ser humano.
Quanto à herança hebraico-judaica que conferiu ao mundo ocidental o direito de explorar aos animais, pois que Deus, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra, propõe-se uma interpretação diversa daquela que vem sendo deduzida. A de que o termo bíblico "domínio", ao invés de ser tomado em sua acepção jurídica "o direito de propriedade que se tem sobre bens móveis ou imóveis", seja tido como "a simples tutela ou guarda outorgada por Deus aos homens sobre os animais, com vistas à proteção destes". Nada mais.
Conclui-se, ainda, ser um argumento bastante frágil aquele que sustenta ser a moral uma construção puramente humana e, assim, os animais, por não terem a compreensão do que significa o agir moral, não fariam jus a um tratamento ético e justo por parte dos humanos. Como contraponto a esse argumento, convém lembrar que os recém-nascidos e crianças até os sete anos de idade, bem como alienados mentalmente e pessoas em estado terminal também não têm consciência de si e não compreendem a moral, mas nem por isso se deixa de evitar o sofrimento desses entes. É irrelevante que os animais possam ou não compreender o sistema moral, o que importa é que eles têm direito a serem tratados com respeito e dignidade, pois são seres que sofrem.
Finalmente, propõe-se que o direito como justo, como devido por justiça é a máxima que deve orientar a conduta do homem não apenas frente ao seu semelhante, mas também em relação aos demais seres vivos, de forma que se transforme em uma legislação universal. Os interesses de todas as espécies vivas do planeta devem ser erigidos como moralmente significantes para o homem.
É a solidariedade e a sensibilidade para com todas as criaturas que torna um homem verdadeiramente humano. Já afirmava o pacifista Mahatama Gandhi que "a grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela maneira com que seus animais são tratados".
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NOTAS
01 SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo : Martins Fontes. 1998, p. 66-67
02 Mesmo sem provas definitivas, os cientistas admitem que a vida, em sua forma mais primitiva, tenha surgido na Terra há 4 bilhões de anos. Os humanos mais rudimentares - os australopithecus africanos (macaco do sul da África) - surgiram na África num período que vai de 5 milhões a 1 milhão de anos atrás, enquanto homo erectus apareceu somente há 1,6 milhões de anos (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 86 e 460).
03 BÍBLIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 1-26.
04 DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. Trad. Márcio Pugliese. São Paulo : Ícone, 1996, p. 11.
05 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo : Revista dos Tribunais. 21ª ed. 1995, p. 30.
06 DUGUIT, Léon. Ob. cit., p. 7.
07 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 47.
08 Idem, ibidem, p. 261
09 ACKEL F., Diomar. Direito dos animais. São Paulo :Themis, 2001, p 26.
10 Idem., ibidem, p.26.
11 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais – o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão : Mantiqueira, 1998, p. 13.
12 BIBILIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 6-19 e 20
13 ACKEL F., Diomar.. Ob. cit., p. 26
14 DIAS, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000, p. 20.
15 Idem, ibidem, p. 22;
" novo direito natural",
Em razão disso - revela o autor - surge "um novo direito natural", denominado de direito natural de combate, concentrado na luta de classes e na liberação dos grupos oprimidos. Com base nesse novo direito natural de combate é que se deram os conflitos de grupos, permitindo às minorias exigir o direito à diferença.
Assim, mesmo na concepção jusnaturalista, analisada sob esse novo enfoque, o direito natural não é um direito estanque, fixo e eterno. Ele muda conforme mudam as sociedades; transforma-se de acordo com a evolução moral e intelectual humana.
Aristóteles, tido como o grande filósofo do direito natural, estabelecia distinção entre lei particular e lei comum. A particular é aquela que cada povo dá a si mesmo. Lei comum é aquela que pertence a todos os homens, "pois que todos sabemos, por natureza, o que é justo ou injusto". [71]
Universalmente conhecida é a passagem em que Antígona, da peça de Sófocles, evoca leis imutáveis e não-escritas, que não nasceram hoje nem ontem, que não morrem e que ninguém sabe de onde provêm, para enterrar seu irmão Polinices, [72] ainda que pela lei dos homens fosse proibido fazê-lo.
O direito natural, apesar das diversidades de correntes que surgiram, tem como princípios: a) a imutabilidade de certos direitos pertencentes aos homens; b) a universalidade desses direitos, atingindo todos os seres humanos só por esse fato; c) o acesso a esses direitos por meio da razão, intuição ou revelação.
Propõe a teoria do direito natural que o direito positivo não faz outra coisa senão qualificar as condutas como justas ou injustas, segundo os padrões naturais, dados pela razão, fazendo com que o Direito Positivo se aproxime da Moral.
Dessa forma, algumas teorias éticas afirmam que é a natureza humana que confere moralidade às pessoas. Nascemos incompletos, é verdade, mas nossas potencialidades nos capacitam a levar a nossa natureza rumo a mais plena realização. Por isso, "o bem moral para o indivíduo consiste em ações que o levam para mais perto do ideal possível da natureza humana. Somos obrigados por nossa própria natureza, a realizar o que é genuinamente humano em nós e evitar ações que nos desumanizem". [73]
4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais:
Hans Kelsen, apesar de ter pretendido construir uma teoria pura do direito, baseada unicamente no positivismo jurídico, admite que "ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens". [74] A Moral é uma delas.
Bobbio, a seu turno, também tece críticas ao jusnaturalismo - que apregoa a existência de certos direitos que decorrem da própria natureza humana, e que portanto não podem ser refutados – afirmando que esse argumento se revelou frágil como fundamento absoluto desses direitos. E o faz, por quatro motivos: 1) afirma que a expressão de direito do homem é muito vaga e sem conteúdo: são direitos que cabem ao homem enquanto homem; 2) são direitos variáveis e relativos, por isso não podem ser fundamentais. Os direitos do homem, historicamente, mudam, seja de acordo com os interesses das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização desses direitos, ou das transformações técnicas; 3) são direitos heterogêneos: a diversidade dos direitos tidos como direitos fundamentais do homem é tamanha, ocasionando, inclusive a existência de direitos incompatíveis, que não se deveria falar em fundamento, mas em fundamentos. Há alguns direitos que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente: não ser escravizado e não sofrer tortura. Todavia, são bem poucos os direitos que, considerados fundamentais, não se põem em choque com outros, também considerados fundamentais; 4) há direitos antinômicos: quanto mais um avança um direito, mais diminui o outro: por exemplo, quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos. [75]
E conclui seu raciocínio afirmando que, o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. [76]
Tais observações, contudo, se referem aos direitos fundamentais dos homens, que, apesar de contratempos e obstáculos, vêm sendo razoavelmente observados. Os direitos fundamentais dos homens se encontram, em maior ou menor escala, assentados nas mentes e nos corações dos homens. Construiu-se já um complexo edifício teórico-jurídico e filosófico em favor dos direitos dos homens. Os direitos dos animais, ao contrário, estão dando os primeiros passos, por isso é de suma importância fundamentá-los.
Pode-se, doravante, tentar buscar resposta à indagação "o que são direitos", no sentido de normas morais? São regras de ação ou omissão devidas por justiça, com conteúdo ético positivo, que podem ou não estar expressas em leis escritas. E o conceito de justiça está intrinsecamente ligado a um valor moral, a um bem, a algo que é bom, em contraposição ao mau.
4.1.4 Direitos como exigência de justiça
O que vem a ser justiça? Norberto Bobbio afirma que "a justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar" [77]. Aponta, entretanto, uma diferença entre o conceito de justiça e os demais citados. Diz que igualdade, liberdade e bem-estar são termos descritivos, que podem ser verificáveis pelo simples confronto com a evidência empírica. Registra, ainda, que "a justiça não é uma coisa e muito menos uma coisa visível, mesmo em sentido platônico". Por isso recomenda que "deveríamos evitar o substantivo e usar o adjetivo". [78]
Em realidade, a humanidade, desde Cícero e Ulpiano, tem-se debruçado sobre o que seja justiça, ou o direito devido por justiça, axioma anterior e superior à lei dos homens.
Eis a famosa definição de lei natural de Cícero:
Há uma lei verdadeira, norma racional, conforme à natureza, inscrita em todos os corações, constante e eterna, a mesma em Roma e em Atenas; tem Deus por autor; não pode, por isso, ser revogada nem pelo senado, nem pelo povo; e o homem não a pode violar sem negar a si mesmo e a sua natureza, e receber o maior castigo. [79]
Assim, como observa André Franco Montoro, a definição de Cícero envolve cinco características fundamentais do direito natural: 1) na base das leis positivas há uma lei natural de ordem racional; 2) essa lei corresponde às exigências da natureza e à dignidade natural do homem; 3) não está escrita nos códigos, mas na consciência dos homens; 4) tem por autor o próprio Deus, criador da natureza; 5) é universal no tempo e no espaço. [80]
Famosa igualmente é a definição de justiça de Ulpiano: "a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito". [81] Nesse sentido, o conceito de justiça envolve a consideração do outro e o reconhecimento de um direito natural pertencente a todos, indistintamente.
Montoro ressalta ainda três sentidos de justiça: o sentido latíssimo, que significa a virtude em geral ou o conjunto de todas as virtudes; o sentido lato, também significando a virtude em geral, mas numa acepção menos ampla, qual seja, o conjunto das virtudes sociais ou em relação à convivência humana; e o terceiro sentido, o estrito, a virtude com o objeto especial [82].
Os estudos filosóficos realizados ao longo da história acerca da justiça resultaram nos seguintes conceitos de justiça: 1) justiça distributiva: relaciona-se à repartição dos benefícios entre os membros da sociedade fundada no princípio de igualdade geométrica, ou proporcional. Seria a virtude pela qual a comunidade dá a cada um de seus membros uma participação no bem comum, observada uma igualdade proporcional ou relativa; 2) justiça comutativa: regula o escambo, as relações mercantis entre particulares, sendo fundamentada na proporção aritmética. É, assim, a virtude pela qual um particular dá a outro particular aquilo que lhe é rigorosamente devido, observada uma igualdade simples ou real; 3) justiça geral ou social, tem a ver com a virtude pela qual os membros da sociedade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional. Ou seja, trata-se do dever das partes para com o todo - dos indivíduos para com a comunidade - visando ao bem comum. [83]
O enfoque filosófico do que seja justiça, contudo, como se observa, sempre teve como premissa norteadora a excelência e a supremacia do homem sobre os demais entes da natureza. Em razão disso, Montoro afirma que "a justiça é uma atitude de respeito às outras pessoas humanas". [84] Preconiza o autor ser "impossível uma justiça na vida animal, porque sua realização supõe conhecimento de princípios e liberdade de decisão. A justiça é uma virtude moral". [85]
Em refutação a essa afirmação, dir-se-ia que, obviamente, não se pode exigir de um animal um agir moral, mas do fato de não se o poder exigir não se infere, obrigatoriamente, a sua inexistência. Quem pode afirmar o que se passa nos meandros de uma colméia de abelhas, no seio de um bando de macacos ou mesmo de uma manada de elefantes? Pode-se, com certeza absoluta, afirmar que entre os membros de cada um desses grupos não há nenhum agir moral? Quando uma fêmea tenta proteger seu filhote, essa ação decorre unicamente do instinto, ou ela o fez por dever? Se uma cadela dá de mamar a um gatinho que acabou de ficar órfão, esse seu agir é meramente instintivo ou há nele uma virtude?
Também quanto à existência de relação de justiça dos homens para com os animais, André Franco Montoro mostra-se cético. Afirma que os maus-tratos impostos aos animais podem revelar maus sentimentos dos homens, jamais injustiças, pois:
[... ] como seres de natureza diferente, o homem e o animal não podem estar sujeitos a uma relação de justiça propriamente dita, porque esta supõe uma igualdade fundamental. A noção de justiça é inaplicável às relações entre o homem e seres que não tenham natureza racional. [86]
Para Montoro, a racionalidade ou não do sujeito da ação é que determina a qualidade desta. Se o sujeito da ação for um ser racional, a conduta humana para com ele deve ser boa; se não for racional, a conduta pode ser boa ou má, tanto faz.
A idéia de que o homem não tem dever moral algum para com os demais seres não-humanos, na realidade, funda-se numa deformação da virtude humana: a discriminação. O racismo nega os direitos dos negros, exclusivamente com base na cor da pele. O sexismo ignora os direitos das mulheres, unicamente com base no sexo. O especismo [87] não passa de outra forma de discriminação: somente os interesses da espécie humana é que devem ser levados em conta.
Como afirma Peter Singer, é a capacidade de sofrer e de desfrutar as coisas que constitui a condição prévia para se ter qualquer interesse. Somente quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração. E prossegue:
É por esse motivo que o limite da sensibilidade é o único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite através de uma característica, como a inteligência ou a racionalidade, equivaleria a demarcá-lo de modo arbitrário. Por que não escolher alguma outra característica, como, por exemplo, a cor da pele?. [88]
É verdade que nunca se pode sentir a dor do outro. Os humanos dizem, falam, relatam a dor que sentem; os animais não. Mas o comportamento deles é parecido com o dos humanos. Se se espeta uma agulha profundamente no braço de uma criança, ela reage, puxa o braço e chora; se se fizer a mesma coisa na pata de um cão, ele reagira de forma parecida: puxará a pata, fará ruídos de dor e poderá até tentar morder o agressor. Quem duvida que ele sente dor? Mesmo naqueles animais em que não se vê nenhuma reação – uma abelha ao ser pisoteada, por exemplo -, a dor certamente se faz presente. Os seres humanos é que ainda são incapazes de percebê-la. Quantos foram condenados pela Santa Inquisição por afirmarem que o planeta Terra não era o centro do universo?
Todos os entes vivos dotados de sistema nervoso central são, sem exceção, seres sencientes, e assim sendo possuem direitos que lhes são inerentes em razão de sua própria natureza, bastando, para que se os reconheça, que os humanos dispam-se de pré-conceitos e da egolatria.
4.2 O direito natural dos animais
Os animais possuem ou não direitos que lhes são inerentes por natureza? Para deslindar a questão, imagine: se tu fosses um pássaro, que voa deslizando no céu azul num gracioso bater de asas, que pousa nas árvores verdes da mata, que encanta os ouvidos alheios com o teu cantar, que permanece dias a fio no ninho chocando, para ver nascer teus filhotes, e os alimenta; se fosses, enfim, um ser que nenhum mal causa às demais espécies, a não ser naquilo que é essencial à tua sobrevivência, acharias justa a conduta que te persegue, te prende e, por dinheiro, te vende para viveres engaiolado em espaços tão pequenos que tuas asas se atrofiam? Onde raramente podes gerar teus filhos, e se o fazes é para servirem de mercadoria também?
O homem do mundo ocidental, com base especialmente na idéia disseminada há mais de dois mil anos pela religião católica de que foi criado à imagem e semelhança de Deus, vem-se julgando superior aos demais seres vivos do planeta. Outros fatores contribuíram e contribuem, ainda hoje, para a continuidade desse pensamento. Como bem esclarece Alessandra Nahara:
Mas a definitiva consagração da superioridade humana frente às outras espécies talvez tenha se instalado depois que o filósofo francês René Descartes (1596-1650), um dos pais do racionalismo, cunhou a célebre frase: ‘Penso, logo existo’. Depois disso, quem não pensa, não existe. Ou pelo menos não tem nenhum direito, já que, sem poder verbalizar seu descontentamento, é mero objeto nas mãos do homem. [89]
Para demonstrar quão errônea é a idéia de superioridade humana, calcada no fato de o homem deter o dom da fala e de modificar o ambiente em que vive, basta recordar que só muito recentemente na história do planeta é que a espécie humana o habita. Antes de o homem se ter feito presente na Terra, os animais viviam livres, seguindo unicamente as regras que a natureza lhes impunha. Por certo, algumas espécies serviam e servem de alimento para outras e, a menos que se observasse a ocorrência de algum fato extraordinário, fora do comum, a cadeia alimentar mantinha-se em equilíbrio.
Antes de o homem habitar a Terra, à exceção de servir de alimento, uma espécie animal jamais aprisionou, subjugou ou escravizou outra. Num ambiente sem a presença humana, uma vez saciada a fome do animal carnívoro, todos os demais animais estão livres para seguir o curso de seu destino.
Há que se reconhecer que, infelizmente, a invenção do aprisionamento, da subjugação e da escravidão, seja humana, seja animal, é obra e arte exclusiva dos autodenominados seres racionais, superiores: os humanos.
Com tais argumentos quer-se enfatizar que, a não ser para servir de alimento à outra espécie ou por questões de sobrevivência quando as condições ambientais forem desfavoráveis, todos os animais não-humanos respeitam-se mutuamente, numa demonstração de que cada espécie reconhece na outra um ser vivo com direito à dignidade.
Sonia T. Felipe, em seu notável estudo O sacrifício do outro, abordando a imoralidade das experiências com animais, afirma:
Há um ser vivo, inteligente, e sensível na maioria dos indivíduos sacrificados sobre as mesas dos laboratórios. Cada uma dessas espécies, a seu próprio modo, sabe como viver bem e sabe como passar essa informação aos seus descendentes. Eles nos dispensam absolutamente. [90]
A egolatria da espécie humana associada à ilusão que é ela que governa o mundo, por muito tempo, levou a humanidade a atribuir aos negros a condição de não-humanos, a fim de justificar a escravidão. Os negros, por isso, eram considerados coisas, bens, mercadorias, da mesma forma que os animais ainda o são. Dia virá, espera-se, que também os animais sejam reconhecidos como sujeitos de direitos.
4.3 Seres racionais versus seres irracionais
Os biólogos catalogaram os animais como seres irracionais e aos membros da espécie humana como seres racionais. Isso se deve ao fato de o homem ocidental [91] compreender o animal como um ser inferior. Mas também não é de todo descartável que o animal, em seu íntimo, pense que é o homem o ser inferior. E certamente o fará até com maior razão, pois, afinal, quem destrói a natureza, quem desmata as florestas, quem polui as águas, quem contamina os rios, quem acaba com a camada de ozônio, quem aniquila os próprios semelhantes e outras espécies não são os animais, mas a inteligente e racional espécie humana.
A refutação que se faz à discriminação baseada na espécie é a de que uma catalogação do tipo: - eu sou racional e superior e você (que aliás não tem o dom da fala para contra-argumentar) é irracional e inferior -, para ser válida, imparcial, isenta e acima de qualquer suspeita, só poderia ser feita por um terceiro ente, jamais por uma das partes envolvidas. A História é testemunha de que os homens da raça branca já desenvolveram esse tipo de estratificação com relação aos negros; os nazistas, com os judeus.
Dessarte, se o princípio da maior racionalidade e inteligência é suficiente para que uma espécie subjugue a outra, teremos que concluir que apenas as pessoas com maior QI [92] devem, necessariamente, governar sobre as demais, exercendo os cargos de comando da maneira que bem lhes aprouver. Nesse aspecto, Roberto Nozick propõe a inusitada reflexão:
Supondo que existam seres superiores a nós em questões de racionalidade e de inteligência, admitiríamos que eles nos enjaulassem e nos sugassem, nos introduzissem seus instrumentos investigatórios e suas substâncias químicas para medir reações sequer testadas neles mesmos, a fim de servir aos seus interesses de preservarem-se vivos frente às ameaças do meio ambiente? [93]
Também é corriqueiro afirmar-se que as demais espécies vivas, não sendo dotadas de razão e nem de capacidade de discernimento, não podem ser subscritoras de uma legislação universal, à qual não têm autonomia para cumprir em sua contrapartida. Aqui, então, vale-se da seguinte proposição: um ser humano, que nasce com deformidades físicas e psíquicas, incapaz de se comunicar, que sobrevive apenas com a ajuda alheia, pode ter seus direitos desrespeitados? Pode ser submetido à tortura, a maus-tratos ou mesmo ser abandonado, unicamente pelo fato de não ter discernimento, de não poder se comunicar, se expressar? Certamente, o consenso é de que esse ser tem direitos, não podendo ser maltratado e nem abandonado – e não é porque, segundo prega a religião católica, ele foi criado à imagem e semelhança de Deus – mas porque é um ser vivo, que sente dor, que sofre. E se assim o é, por coerência, também os animais são portadores desses direitos mínimos.
Para corroborar a idéia de que não apenas os seres humanos são dignos de tratamento justo e ético, mas também os animais, há um método muito simples e eficaz. Basta perquirir a uma pessoa quais as razões que a levam a agir de forma ética e com compaixão em relação à outra. Certamente sua resposta não será que seu comportamento deriva do fato de os humanos terem a capacidade de se comunicarem por meio da linguagem; ou poderem planejar o futuro, ou mesmo por serem seres racionais. A resposta provavelmente será a de que sua conduta e sua compaixão derivam do fato de que os humanos podem sentir dor, sofrer, se ferir. Dessa maneira, resta evidente que também os animais merecem um tratamento justo e ético por parte dos humanos.
Como afirmou Jeremy Bentham em seu livro Introduction to the principles of morals and legislation, não são o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum motivos suficientes para se abandonar um ser sensível ao abandono e a mercê de um torturador. Tampouco a faculdade da razão, ou a capacidade de falar. A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento [94].
É, pois, com base na sensibilidade, na maior ou menor capacidade de sentir dor, que o agir humano em relação às demais espécies deve se guiar.
4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos
Ao contrário do que muitas correntes religiosas e até filosóficas pregaram, os humanos não são, em todos os aspectos, seres superiores às demais criaturas vivas do planeta. Viu-se que nos aspectos puramente sensoriais há equiparação entre as espécies, por isso os humanos não podem dispor dos animais a seu bel prazer.
Ninguém há de negar, contudo, a existência de certas características que diferenciam os humanos das demais espécies: o uso da razão, a consciência de si mesmos, o uso da linguagem, e, acima de tudo, o agir ético, vinculado à autonomia da vontade.
E exatamente dessa posição de supremacia é que decorre a responsabilidade humana de não violar os direitos fundamentais das demais espécies, constituindo, ainda, dever dos homens abrigar, alimentar, tratar e assistir, quando necessário, os seres incapazes, sejam eles humanos ou não.
De outra banda, aos animais, por não deterem autonomia – quer dizer, por não possuírem a capacidade de escolher a forma como viver suas vidas, mas seguirem inexoravelmente o curso de sua natureza, de seus instintos - não pode ser atribuída nenhuma responsabilização em face de seus atos para com as demais espécies. Assim é que se um animal, ao buscar alimento, causa sofrimento a outro animal, nenhuma responsabilização, quer jurídica, quer ética, pode ser-lhe imputada.
Como preconiza o Movimento dos Direitos dos Animais, é irrelevante que os animais não sejam capazes de conceitualizar um sistema moral e seus benefícios:
A distinção que se faz relevante é entre agentes morais e pacientes morais. Um agente moral é um ser que possui a habilidade de conceitualização para lidar com princípios morais e usá-los para tomar suas decisões, e tendo tomado uma decisão, tem o livre arbítrio para agir de acordo com ela. Por essa habilidade, é justo que os agentes morais sejam responsabilizados pelos seus atos. O agente moral no paradigma humano é o homem ou a mulher adulta normal.
Pacientes morais, pelo contrario, não possuem as capacidades que os agentes morais têm e assim não podem ser responsabilizados pelos seus atos de maneira justa. Contudo, eles ainda possuem a capacidade de sofrer e portanto ainda são objetos de consideração pelos agentes morais. Os bebês, as crianças pequenas, os deficientes mentais, os loucos e os animais não-humanos são exemplos de pacientes morais.
Dado que os animais não-humanos são pacientes morais, eles são parte do universo de consideração moral, e portanto faz sentido ter a mesma consideração moral com os animais que temos com os humanos. [95]
Peter Singer, filósofo australiano, ao abordar a questão da diferença entre os seres humanos e os animais, lembra que a base da hipótese da superioridade dos humanos em face dos animais, em termos genéticos, foi praticamente destruída por Charles Darwin.
Pela teoria da evolução de Darwin, todos os animais tiveram uma origem comum. Segundo consta, em 1859, Charles Darwin - naturalista inglês - publicou On the origin of species by means of natural selection, livro que estabeleceu, com clareza e rigor, a teoria da evolução, que consiste na idéia de que todos os seres vivos pertencem à uma mesma família, e que as formas complexas aparecem como evolução de outras mais simples que as precedem. As diferenças entre os membros dessa única família de seres vivos ocorrem devido ao processo que Darwin denominou de seleção natural.
A seleção natural promove mutações: variações nas células embrionárias que dão origem à geração seguinte. As mutações favoráveis à sobrevivência do grupo são selecionadas e repetidas nas gerações futuras, dando origem às várias espécies, cada uma adaptada a seu ambiente.
Pesquisas mais recentes relatam que o DNA dos chimpanzés difere apenas 3% do dos humanos. Diante disso, se nos aspectos meramente fisiológicas e genéticos, humanos e animais estão muito próximos, o que diferencia uma espécie da outra é sem dúvida a capacidade humana de agir de acordo com a autonomia de sua vontade.
O ser humano, pois, tem liberdade de ação, ao passo que os animais são guiados por seus instintos. Mas a supremacia e superioridade da espécie humana, ao contrário de outorgar-lhe a prerrogativa de menoscabar das demais espécies, traz consigo uma única conseqüência: o dever do agir ético em relação a todos os seres vivos, humanos ou não. Kant de há muito já afirmara que "tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade". [96] O ser humano, ao contrário dos animais, tem escolhas, tem opções no seu agir. Conseqüentemente, deve ser responsabilizado jurídica e eticamente, quando suas ações causarem prejuízo injustificado a outrem, seja ele humano ou não-humano.
Por isso, há que se concluir que os seres humanos não têm direitos sobre os animais, mas apenas e tão-somente deveres para com eles.
4.5 O princípio da igual consideração de interesses de Peter Singer
Peter Singer, em sua obra Ética Prática, que tem um capítulo dedicado aos direitos dos animais, toma como premissa que o comportamento ético é aceitável de um ponto de vista que é, de alguma forma, universal. Afirma ele que o "Preceito Áureo atribuído a Moisés, que se acha no Levítico e foi, subseqüentemente, repetido por Jesus, diz que devemos ir para além dos nossos interesses pessoais e ´amar o nosso semelhante como amamos a nós mesmos´". [97]
Registra em sua obra que vários filósofos a partir daí procuraram desenvolver suas teorias, afirmando ou refutando a idéia de que a ética decorre de uma lei natural universal, tendo, contudo, falhado a ultrapassagem do obstáculo à dedução de uma teoria ética a partir do aspecto universal da ética. Por isso, propõe que se aceite que os juízos éticos devem ser formulados de um ponto de vista universal. Dessa forma, enfatiza:
[.. ] estou aceitando que os meus próprios interesses, só porque são os meus interesses, não podem contar mais do que os interesses de qualquer outra pessoa. Assim, a minha preocupação natural de que meus interesses sejam levados em conta deve – quando penso eticamente – ser estendida aos interesses dos outros.
A partir desse raciocínio, Peter Singer cunhou o princípio da igual consideração dos interesses, pilar sobre o qual se funda a igualdade de todos os seres humanos. E mais, que sendo o princípio da igualdade de interesses uma sólida base moral para as relações inter-humanos, deve ele também ser aceito como regulador moral da relação humana com os seres não pertencentes à nossa espécie.
Isso porque, conclui o filósofo, o especismo é tão sem propósito e sem razão quanto o racismo, a discriminação de sexo, de classes sociais, de idade, etc. Por isso enfatiza que "[....] o fato de os seres não pertencerem à nossa espécie não nos dá o direito de explorá-los, nem significa que, por serem os outros animais menos inteligentes do que nós, possamos deixar de levar em conta os seus interesses" [98].
Em seus estudos, Singer observou que os estímulos que causam dor aos seres humanos também causam dor nos animais. Por isso, valendo-se de Bentham, reconhece que a capacidade de sofrimento é que deve conferir a um ser o direito à igual consideração:
Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. [99]
Se realmente o que diferencia a espécie humana dos outros animais é um maior uso da razão e da inteligência do que o deles, mister se faz que se canalize essa condição de superioridade apenas e tão-somente na busca de proteção aos seres menos dotados.
Ninguém enaltece um homenzarrão que maltrata uma criança franzina e desprotegida. Todos hão de condená-lo moralmente, a par das conseqüências legais que possa sofrer. Da mesma forma, um ser humano, que se diz racional, só pode ser considerado um covarde sem escrúpulos ao infligir sofrimento a um animal indefeso.
Certamente um homem jamais se atreveria a praticar crueldades contra um leão, se o encontrasse na selva, estando ambos em condições de igualdade, ou seja, utilizando exclusivamente a força física. Nem mesmo a um urso. A maldade e a crueldade humana quase sempre é praticada quando não há possibilidade de revida, constituindo por isso pura covardia.
4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant
Immanuel Kant, filósofo alemão, indagava-se constantemente por que se age por dever (moral) e conforme o dever (jurídica) e não de forma diversa. Tratou de dar resposta a essa inquietação com a obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Nela, desvenda que a vontade constitui a própria razão pura prática e é, por assim dizer, a mola propulsora da ética.
Ensina ele que a razão vulgar, para saber o que é bom e o que é mau, segue a orientação do dever. O dever é uma lei que o homem impõe-se a si mesmo. Há no homem uma bússola de mão que orienta sua reta ação, mesmo que essa ação contrarie suas inclinações e desejos mais íntimos, por uma única razão: dever. E esse dever provém de uma lei interna, que Kant denomina máxima. Eis sua postulação:
Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas no mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber como princípio de uma possível legislação universal. [100]
Ao agir de acordo com conceitos derivados da vontade pura ou a priori da razão, o homem cria princípios universais que devem ser seguidos por todos. Por assim dizer, agindo eticamente o homem não age por si próprio, mas por toda a humanidade. Eis a fórmula da lei universal de Kant: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal". [101]
Para Kant, só uma lei que seja universalmente válida pode dar origem a uma boa vontade incondicionada — isto é, a possibilidade de ser seguida por todo o ser racional é a única coisa que essa lei pode fornecer. Deste modo, a universalidade da lei é a fonte da imparcialidade e objetividade que caracteriza o pensamento moral comum.
Como enfatiza Sônia T. Felipe, "Kant [...] sem se preocupar com as conseqüências das ações morais, e sim mais com a qualidade da vontade do sujeito que age, exige, na sua fórmula ética, que em nenhuma das nossas ações tratemos a pessoa do outro ou a nossa própria pessoa meramente como meio para alcançar quaisquer outros fins menos dignos da nossa natureza moral." [102] A fórmula do imperativo categórico, que Kant designa como a fórmula do fim em si mesmo, é a seguinte:
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio. [103]
Ele então estabeleceu um reino dos fins, afirmando:
Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmo, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio [...]. [104]
Kant, contudo, elaborou sua teoria sobre o agir moral do homem partindo de uma premissa equivocada: a superioridade dos seres racionais sobre os irracionais, por isso, para ele somente os seres humanos têm um fim em si mesmo, ou seja, dignidade, enquanto os demais seres vivos têm apenas um preço.
Os seres humanos são, efetivamente, os únicos chamados a agir moralmente, pois detêm liberdade e autonomia, têm a possibilidade de agir de acordo com a razão, mesmo que contrarie suas inclinações. Os animais – afirmam os cientistas [105] - seguem inexoravelmente o rumo de seus instintos, não podendo ser julgados moralmente pelo seu agir. Se um gato ataca um rato, essa atitude faz parte da natureza do gato e, portanto, não se lhe poderá atribuir nenhuma sanção moral.
Mas os animais, ao contrário do que pensava Kant, não são meras coisas. São seres sencientes, que têm necessidades básicas como os humanos: fome, sede, frio, calor, etc.
Com base na capacidade de sentir dor é que deve assentar-se uma releitura do princípio categórico de Kant, de tal forma que não somente aos seres racionais, mas a todos os seres vivos seja devida uma ação de acordo com a máxima de que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. Por conseguinte, também o imperativo prático kantiano deve ser reescrito: Ages de tal maneira que uses a condição de ser vivo, tanto na tua pessoa como a de qualquer outro ser (independentemente da espécie) sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. [106]
A lei universal é, portanto, uma lei em que o homem deve se colocar no lugar do outro. É outra versão do velho ensinamento das Escrituras, que prescreve que só deves fazer ao outro o que desejas a ti mesmo. Deves te colocar no lugar do outro - seja ele um escravo açoitado, um mendigo faminto, um cão abandonado ou um cavalo maltratado - para saberes o que é ético, justo e moral. Se tu não achares justa tal ação ou omissão para contigo, não podes pretendê-la para o outro.
Assim, basta alargar o alcance do princípio categórico de Kant, de maneira que a regra segundo a qual deves agir apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal, a fim de que a ação ética contemple não só os seres chamados humanos, mas todas as espécies vivas existentes no planeta, para concluir-se que os animais não são meros meios da vontade humana. Têm eles um fim em si mesmos e por isso dignidade. A vida é o bem supremo, independentemente do veículo em que ela se manifeste.
Assim, mesmo na concepção jusnaturalista, analisada sob esse novo enfoque, o direito natural não é um direito estanque, fixo e eterno. Ele muda conforme mudam as sociedades; transforma-se de acordo com a evolução moral e intelectual humana.
Aristóteles, tido como o grande filósofo do direito natural, estabelecia distinção entre lei particular e lei comum. A particular é aquela que cada povo dá a si mesmo. Lei comum é aquela que pertence a todos os homens, "pois que todos sabemos, por natureza, o que é justo ou injusto". [71]
Universalmente conhecida é a passagem em que Antígona, da peça de Sófocles, evoca leis imutáveis e não-escritas, que não nasceram hoje nem ontem, que não morrem e que ninguém sabe de onde provêm, para enterrar seu irmão Polinices, [72] ainda que pela lei dos homens fosse proibido fazê-lo.
O direito natural, apesar das diversidades de correntes que surgiram, tem como princípios: a) a imutabilidade de certos direitos pertencentes aos homens; b) a universalidade desses direitos, atingindo todos os seres humanos só por esse fato; c) o acesso a esses direitos por meio da razão, intuição ou revelação.
Propõe a teoria do direito natural que o direito positivo não faz outra coisa senão qualificar as condutas como justas ou injustas, segundo os padrões naturais, dados pela razão, fazendo com que o Direito Positivo se aproxime da Moral.
Dessa forma, algumas teorias éticas afirmam que é a natureza humana que confere moralidade às pessoas. Nascemos incompletos, é verdade, mas nossas potencialidades nos capacitam a levar a nossa natureza rumo a mais plena realização. Por isso, "o bem moral para o indivíduo consiste em ações que o levam para mais perto do ideal possível da natureza humana. Somos obrigados por nossa própria natureza, a realizar o que é genuinamente humano em nós e evitar ações que nos desumanizem". [73]
4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais:
Hans Kelsen, apesar de ter pretendido construir uma teoria pura do direito, baseada unicamente no positivismo jurídico, admite que "ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens". [74] A Moral é uma delas.
Bobbio, a seu turno, também tece críticas ao jusnaturalismo - que apregoa a existência de certos direitos que decorrem da própria natureza humana, e que portanto não podem ser refutados – afirmando que esse argumento se revelou frágil como fundamento absoluto desses direitos. E o faz, por quatro motivos: 1) afirma que a expressão de direito do homem é muito vaga e sem conteúdo: são direitos que cabem ao homem enquanto homem; 2) são direitos variáveis e relativos, por isso não podem ser fundamentais. Os direitos do homem, historicamente, mudam, seja de acordo com os interesses das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização desses direitos, ou das transformações técnicas; 3) são direitos heterogêneos: a diversidade dos direitos tidos como direitos fundamentais do homem é tamanha, ocasionando, inclusive a existência de direitos incompatíveis, que não se deveria falar em fundamento, mas em fundamentos. Há alguns direitos que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente: não ser escravizado e não sofrer tortura. Todavia, são bem poucos os direitos que, considerados fundamentais, não se põem em choque com outros, também considerados fundamentais; 4) há direitos antinômicos: quanto mais um avança um direito, mais diminui o outro: por exemplo, quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos. [75]
E conclui seu raciocínio afirmando que, o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. [76]
Tais observações, contudo, se referem aos direitos fundamentais dos homens, que, apesar de contratempos e obstáculos, vêm sendo razoavelmente observados. Os direitos fundamentais dos homens se encontram, em maior ou menor escala, assentados nas mentes e nos corações dos homens. Construiu-se já um complexo edifício teórico-jurídico e filosófico em favor dos direitos dos homens. Os direitos dos animais, ao contrário, estão dando os primeiros passos, por isso é de suma importância fundamentá-los.
Pode-se, doravante, tentar buscar resposta à indagação "o que são direitos", no sentido de normas morais? São regras de ação ou omissão devidas por justiça, com conteúdo ético positivo, que podem ou não estar expressas em leis escritas. E o conceito de justiça está intrinsecamente ligado a um valor moral, a um bem, a algo que é bom, em contraposição ao mau.
4.1.4 Direitos como exigência de justiça
O que vem a ser justiça? Norberto Bobbio afirma que "a justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar" [77]. Aponta, entretanto, uma diferença entre o conceito de justiça e os demais citados. Diz que igualdade, liberdade e bem-estar são termos descritivos, que podem ser verificáveis pelo simples confronto com a evidência empírica. Registra, ainda, que "a justiça não é uma coisa e muito menos uma coisa visível, mesmo em sentido platônico". Por isso recomenda que "deveríamos evitar o substantivo e usar o adjetivo". [78]
Em realidade, a humanidade, desde Cícero e Ulpiano, tem-se debruçado sobre o que seja justiça, ou o direito devido por justiça, axioma anterior e superior à lei dos homens.
Eis a famosa definição de lei natural de Cícero:
Há uma lei verdadeira, norma racional, conforme à natureza, inscrita em todos os corações, constante e eterna, a mesma em Roma e em Atenas; tem Deus por autor; não pode, por isso, ser revogada nem pelo senado, nem pelo povo; e o homem não a pode violar sem negar a si mesmo e a sua natureza, e receber o maior castigo. [79]
Assim, como observa André Franco Montoro, a definição de Cícero envolve cinco características fundamentais do direito natural: 1) na base das leis positivas há uma lei natural de ordem racional; 2) essa lei corresponde às exigências da natureza e à dignidade natural do homem; 3) não está escrita nos códigos, mas na consciência dos homens; 4) tem por autor o próprio Deus, criador da natureza; 5) é universal no tempo e no espaço. [80]
Famosa igualmente é a definição de justiça de Ulpiano: "a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito". [81] Nesse sentido, o conceito de justiça envolve a consideração do outro e o reconhecimento de um direito natural pertencente a todos, indistintamente.
Montoro ressalta ainda três sentidos de justiça: o sentido latíssimo, que significa a virtude em geral ou o conjunto de todas as virtudes; o sentido lato, também significando a virtude em geral, mas numa acepção menos ampla, qual seja, o conjunto das virtudes sociais ou em relação à convivência humana; e o terceiro sentido, o estrito, a virtude com o objeto especial [82].
Os estudos filosóficos realizados ao longo da história acerca da justiça resultaram nos seguintes conceitos de justiça: 1) justiça distributiva: relaciona-se à repartição dos benefícios entre os membros da sociedade fundada no princípio de igualdade geométrica, ou proporcional. Seria a virtude pela qual a comunidade dá a cada um de seus membros uma participação no bem comum, observada uma igualdade proporcional ou relativa; 2) justiça comutativa: regula o escambo, as relações mercantis entre particulares, sendo fundamentada na proporção aritmética. É, assim, a virtude pela qual um particular dá a outro particular aquilo que lhe é rigorosamente devido, observada uma igualdade simples ou real; 3) justiça geral ou social, tem a ver com a virtude pela qual os membros da sociedade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional. Ou seja, trata-se do dever das partes para com o todo - dos indivíduos para com a comunidade - visando ao bem comum. [83]
O enfoque filosófico do que seja justiça, contudo, como se observa, sempre teve como premissa norteadora a excelência e a supremacia do homem sobre os demais entes da natureza. Em razão disso, Montoro afirma que "a justiça é uma atitude de respeito às outras pessoas humanas". [84] Preconiza o autor ser "impossível uma justiça na vida animal, porque sua realização supõe conhecimento de princípios e liberdade de decisão. A justiça é uma virtude moral". [85]
Em refutação a essa afirmação, dir-se-ia que, obviamente, não se pode exigir de um animal um agir moral, mas do fato de não se o poder exigir não se infere, obrigatoriamente, a sua inexistência. Quem pode afirmar o que se passa nos meandros de uma colméia de abelhas, no seio de um bando de macacos ou mesmo de uma manada de elefantes? Pode-se, com certeza absoluta, afirmar que entre os membros de cada um desses grupos não há nenhum agir moral? Quando uma fêmea tenta proteger seu filhote, essa ação decorre unicamente do instinto, ou ela o fez por dever? Se uma cadela dá de mamar a um gatinho que acabou de ficar órfão, esse seu agir é meramente instintivo ou há nele uma virtude?
Também quanto à existência de relação de justiça dos homens para com os animais, André Franco Montoro mostra-se cético. Afirma que os maus-tratos impostos aos animais podem revelar maus sentimentos dos homens, jamais injustiças, pois:
[... ] como seres de natureza diferente, o homem e o animal não podem estar sujeitos a uma relação de justiça propriamente dita, porque esta supõe uma igualdade fundamental. A noção de justiça é inaplicável às relações entre o homem e seres que não tenham natureza racional. [86]
Para Montoro, a racionalidade ou não do sujeito da ação é que determina a qualidade desta. Se o sujeito da ação for um ser racional, a conduta humana para com ele deve ser boa; se não for racional, a conduta pode ser boa ou má, tanto faz.
A idéia de que o homem não tem dever moral algum para com os demais seres não-humanos, na realidade, funda-se numa deformação da virtude humana: a discriminação. O racismo nega os direitos dos negros, exclusivamente com base na cor da pele. O sexismo ignora os direitos das mulheres, unicamente com base no sexo. O especismo [87] não passa de outra forma de discriminação: somente os interesses da espécie humana é que devem ser levados em conta.
Como afirma Peter Singer, é a capacidade de sofrer e de desfrutar as coisas que constitui a condição prévia para se ter qualquer interesse. Somente quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração. E prossegue:
É por esse motivo que o limite da sensibilidade é o único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite através de uma característica, como a inteligência ou a racionalidade, equivaleria a demarcá-lo de modo arbitrário. Por que não escolher alguma outra característica, como, por exemplo, a cor da pele?. [88]
É verdade que nunca se pode sentir a dor do outro. Os humanos dizem, falam, relatam a dor que sentem; os animais não. Mas o comportamento deles é parecido com o dos humanos. Se se espeta uma agulha profundamente no braço de uma criança, ela reage, puxa o braço e chora; se se fizer a mesma coisa na pata de um cão, ele reagira de forma parecida: puxará a pata, fará ruídos de dor e poderá até tentar morder o agressor. Quem duvida que ele sente dor? Mesmo naqueles animais em que não se vê nenhuma reação – uma abelha ao ser pisoteada, por exemplo -, a dor certamente se faz presente. Os seres humanos é que ainda são incapazes de percebê-la. Quantos foram condenados pela Santa Inquisição por afirmarem que o planeta Terra não era o centro do universo?
Todos os entes vivos dotados de sistema nervoso central são, sem exceção, seres sencientes, e assim sendo possuem direitos que lhes são inerentes em razão de sua própria natureza, bastando, para que se os reconheça, que os humanos dispam-se de pré-conceitos e da egolatria.
4.2 O direito natural dos animais
Os animais possuem ou não direitos que lhes são inerentes por natureza? Para deslindar a questão, imagine: se tu fosses um pássaro, que voa deslizando no céu azul num gracioso bater de asas, que pousa nas árvores verdes da mata, que encanta os ouvidos alheios com o teu cantar, que permanece dias a fio no ninho chocando, para ver nascer teus filhotes, e os alimenta; se fosses, enfim, um ser que nenhum mal causa às demais espécies, a não ser naquilo que é essencial à tua sobrevivência, acharias justa a conduta que te persegue, te prende e, por dinheiro, te vende para viveres engaiolado em espaços tão pequenos que tuas asas se atrofiam? Onde raramente podes gerar teus filhos, e se o fazes é para servirem de mercadoria também?
O homem do mundo ocidental, com base especialmente na idéia disseminada há mais de dois mil anos pela religião católica de que foi criado à imagem e semelhança de Deus, vem-se julgando superior aos demais seres vivos do planeta. Outros fatores contribuíram e contribuem, ainda hoje, para a continuidade desse pensamento. Como bem esclarece Alessandra Nahara:
Mas a definitiva consagração da superioridade humana frente às outras espécies talvez tenha se instalado depois que o filósofo francês René Descartes (1596-1650), um dos pais do racionalismo, cunhou a célebre frase: ‘Penso, logo existo’. Depois disso, quem não pensa, não existe. Ou pelo menos não tem nenhum direito, já que, sem poder verbalizar seu descontentamento, é mero objeto nas mãos do homem. [89]
Para demonstrar quão errônea é a idéia de superioridade humana, calcada no fato de o homem deter o dom da fala e de modificar o ambiente em que vive, basta recordar que só muito recentemente na história do planeta é que a espécie humana o habita. Antes de o homem se ter feito presente na Terra, os animais viviam livres, seguindo unicamente as regras que a natureza lhes impunha. Por certo, algumas espécies serviam e servem de alimento para outras e, a menos que se observasse a ocorrência de algum fato extraordinário, fora do comum, a cadeia alimentar mantinha-se em equilíbrio.
Antes de o homem habitar a Terra, à exceção de servir de alimento, uma espécie animal jamais aprisionou, subjugou ou escravizou outra. Num ambiente sem a presença humana, uma vez saciada a fome do animal carnívoro, todos os demais animais estão livres para seguir o curso de seu destino.
Há que se reconhecer que, infelizmente, a invenção do aprisionamento, da subjugação e da escravidão, seja humana, seja animal, é obra e arte exclusiva dos autodenominados seres racionais, superiores: os humanos.
Com tais argumentos quer-se enfatizar que, a não ser para servir de alimento à outra espécie ou por questões de sobrevivência quando as condições ambientais forem desfavoráveis, todos os animais não-humanos respeitam-se mutuamente, numa demonstração de que cada espécie reconhece na outra um ser vivo com direito à dignidade.
Sonia T. Felipe, em seu notável estudo O sacrifício do outro, abordando a imoralidade das experiências com animais, afirma:
Há um ser vivo, inteligente, e sensível na maioria dos indivíduos sacrificados sobre as mesas dos laboratórios. Cada uma dessas espécies, a seu próprio modo, sabe como viver bem e sabe como passar essa informação aos seus descendentes. Eles nos dispensam absolutamente. [90]
A egolatria da espécie humana associada à ilusão que é ela que governa o mundo, por muito tempo, levou a humanidade a atribuir aos negros a condição de não-humanos, a fim de justificar a escravidão. Os negros, por isso, eram considerados coisas, bens, mercadorias, da mesma forma que os animais ainda o são. Dia virá, espera-se, que também os animais sejam reconhecidos como sujeitos de direitos.
4.3 Seres racionais versus seres irracionais
Os biólogos catalogaram os animais como seres irracionais e aos membros da espécie humana como seres racionais. Isso se deve ao fato de o homem ocidental [91] compreender o animal como um ser inferior. Mas também não é de todo descartável que o animal, em seu íntimo, pense que é o homem o ser inferior. E certamente o fará até com maior razão, pois, afinal, quem destrói a natureza, quem desmata as florestas, quem polui as águas, quem contamina os rios, quem acaba com a camada de ozônio, quem aniquila os próprios semelhantes e outras espécies não são os animais, mas a inteligente e racional espécie humana.
A refutação que se faz à discriminação baseada na espécie é a de que uma catalogação do tipo: - eu sou racional e superior e você (que aliás não tem o dom da fala para contra-argumentar) é irracional e inferior -, para ser válida, imparcial, isenta e acima de qualquer suspeita, só poderia ser feita por um terceiro ente, jamais por uma das partes envolvidas. A História é testemunha de que os homens da raça branca já desenvolveram esse tipo de estratificação com relação aos negros; os nazistas, com os judeus.
Dessarte, se o princípio da maior racionalidade e inteligência é suficiente para que uma espécie subjugue a outra, teremos que concluir que apenas as pessoas com maior QI [92] devem, necessariamente, governar sobre as demais, exercendo os cargos de comando da maneira que bem lhes aprouver. Nesse aspecto, Roberto Nozick propõe a inusitada reflexão:
Supondo que existam seres superiores a nós em questões de racionalidade e de inteligência, admitiríamos que eles nos enjaulassem e nos sugassem, nos introduzissem seus instrumentos investigatórios e suas substâncias químicas para medir reações sequer testadas neles mesmos, a fim de servir aos seus interesses de preservarem-se vivos frente às ameaças do meio ambiente? [93]
Também é corriqueiro afirmar-se que as demais espécies vivas, não sendo dotadas de razão e nem de capacidade de discernimento, não podem ser subscritoras de uma legislação universal, à qual não têm autonomia para cumprir em sua contrapartida. Aqui, então, vale-se da seguinte proposição: um ser humano, que nasce com deformidades físicas e psíquicas, incapaz de se comunicar, que sobrevive apenas com a ajuda alheia, pode ter seus direitos desrespeitados? Pode ser submetido à tortura, a maus-tratos ou mesmo ser abandonado, unicamente pelo fato de não ter discernimento, de não poder se comunicar, se expressar? Certamente, o consenso é de que esse ser tem direitos, não podendo ser maltratado e nem abandonado – e não é porque, segundo prega a religião católica, ele foi criado à imagem e semelhança de Deus – mas porque é um ser vivo, que sente dor, que sofre. E se assim o é, por coerência, também os animais são portadores desses direitos mínimos.
Para corroborar a idéia de que não apenas os seres humanos são dignos de tratamento justo e ético, mas também os animais, há um método muito simples e eficaz. Basta perquirir a uma pessoa quais as razões que a levam a agir de forma ética e com compaixão em relação à outra. Certamente sua resposta não será que seu comportamento deriva do fato de os humanos terem a capacidade de se comunicarem por meio da linguagem; ou poderem planejar o futuro, ou mesmo por serem seres racionais. A resposta provavelmente será a de que sua conduta e sua compaixão derivam do fato de que os humanos podem sentir dor, sofrer, se ferir. Dessa maneira, resta evidente que também os animais merecem um tratamento justo e ético por parte dos humanos.
Como afirmou Jeremy Bentham em seu livro Introduction to the principles of morals and legislation, não são o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum motivos suficientes para se abandonar um ser sensível ao abandono e a mercê de um torturador. Tampouco a faculdade da razão, ou a capacidade de falar. A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento [94].
É, pois, com base na sensibilidade, na maior ou menor capacidade de sentir dor, que o agir humano em relação às demais espécies deve se guiar.
4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos
Ao contrário do que muitas correntes religiosas e até filosóficas pregaram, os humanos não são, em todos os aspectos, seres superiores às demais criaturas vivas do planeta. Viu-se que nos aspectos puramente sensoriais há equiparação entre as espécies, por isso os humanos não podem dispor dos animais a seu bel prazer.
Ninguém há de negar, contudo, a existência de certas características que diferenciam os humanos das demais espécies: o uso da razão, a consciência de si mesmos, o uso da linguagem, e, acima de tudo, o agir ético, vinculado à autonomia da vontade.
E exatamente dessa posição de supremacia é que decorre a responsabilidade humana de não violar os direitos fundamentais das demais espécies, constituindo, ainda, dever dos homens abrigar, alimentar, tratar e assistir, quando necessário, os seres incapazes, sejam eles humanos ou não.
De outra banda, aos animais, por não deterem autonomia – quer dizer, por não possuírem a capacidade de escolher a forma como viver suas vidas, mas seguirem inexoravelmente o curso de sua natureza, de seus instintos - não pode ser atribuída nenhuma responsabilização em face de seus atos para com as demais espécies. Assim é que se um animal, ao buscar alimento, causa sofrimento a outro animal, nenhuma responsabilização, quer jurídica, quer ética, pode ser-lhe imputada.
Como preconiza o Movimento dos Direitos dos Animais, é irrelevante que os animais não sejam capazes de conceitualizar um sistema moral e seus benefícios:
A distinção que se faz relevante é entre agentes morais e pacientes morais. Um agente moral é um ser que possui a habilidade de conceitualização para lidar com princípios morais e usá-los para tomar suas decisões, e tendo tomado uma decisão, tem o livre arbítrio para agir de acordo com ela. Por essa habilidade, é justo que os agentes morais sejam responsabilizados pelos seus atos. O agente moral no paradigma humano é o homem ou a mulher adulta normal.
Pacientes morais, pelo contrario, não possuem as capacidades que os agentes morais têm e assim não podem ser responsabilizados pelos seus atos de maneira justa. Contudo, eles ainda possuem a capacidade de sofrer e portanto ainda são objetos de consideração pelos agentes morais. Os bebês, as crianças pequenas, os deficientes mentais, os loucos e os animais não-humanos são exemplos de pacientes morais.
Dado que os animais não-humanos são pacientes morais, eles são parte do universo de consideração moral, e portanto faz sentido ter a mesma consideração moral com os animais que temos com os humanos. [95]
Peter Singer, filósofo australiano, ao abordar a questão da diferença entre os seres humanos e os animais, lembra que a base da hipótese da superioridade dos humanos em face dos animais, em termos genéticos, foi praticamente destruída por Charles Darwin.
Pela teoria da evolução de Darwin, todos os animais tiveram uma origem comum. Segundo consta, em 1859, Charles Darwin - naturalista inglês - publicou On the origin of species by means of natural selection, livro que estabeleceu, com clareza e rigor, a teoria da evolução, que consiste na idéia de que todos os seres vivos pertencem à uma mesma família, e que as formas complexas aparecem como evolução de outras mais simples que as precedem. As diferenças entre os membros dessa única família de seres vivos ocorrem devido ao processo que Darwin denominou de seleção natural.
A seleção natural promove mutações: variações nas células embrionárias que dão origem à geração seguinte. As mutações favoráveis à sobrevivência do grupo são selecionadas e repetidas nas gerações futuras, dando origem às várias espécies, cada uma adaptada a seu ambiente.
Pesquisas mais recentes relatam que o DNA dos chimpanzés difere apenas 3% do dos humanos. Diante disso, se nos aspectos meramente fisiológicas e genéticos, humanos e animais estão muito próximos, o que diferencia uma espécie da outra é sem dúvida a capacidade humana de agir de acordo com a autonomia de sua vontade.
O ser humano, pois, tem liberdade de ação, ao passo que os animais são guiados por seus instintos. Mas a supremacia e superioridade da espécie humana, ao contrário de outorgar-lhe a prerrogativa de menoscabar das demais espécies, traz consigo uma única conseqüência: o dever do agir ético em relação a todos os seres vivos, humanos ou não. Kant de há muito já afirmara que "tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade". [96] O ser humano, ao contrário dos animais, tem escolhas, tem opções no seu agir. Conseqüentemente, deve ser responsabilizado jurídica e eticamente, quando suas ações causarem prejuízo injustificado a outrem, seja ele humano ou não-humano.
Por isso, há que se concluir que os seres humanos não têm direitos sobre os animais, mas apenas e tão-somente deveres para com eles.
4.5 O princípio da igual consideração de interesses de Peter Singer
Peter Singer, em sua obra Ética Prática, que tem um capítulo dedicado aos direitos dos animais, toma como premissa que o comportamento ético é aceitável de um ponto de vista que é, de alguma forma, universal. Afirma ele que o "Preceito Áureo atribuído a Moisés, que se acha no Levítico e foi, subseqüentemente, repetido por Jesus, diz que devemos ir para além dos nossos interesses pessoais e ´amar o nosso semelhante como amamos a nós mesmos´". [97]
Registra em sua obra que vários filósofos a partir daí procuraram desenvolver suas teorias, afirmando ou refutando a idéia de que a ética decorre de uma lei natural universal, tendo, contudo, falhado a ultrapassagem do obstáculo à dedução de uma teoria ética a partir do aspecto universal da ética. Por isso, propõe que se aceite que os juízos éticos devem ser formulados de um ponto de vista universal. Dessa forma, enfatiza:
[.. ] estou aceitando que os meus próprios interesses, só porque são os meus interesses, não podem contar mais do que os interesses de qualquer outra pessoa. Assim, a minha preocupação natural de que meus interesses sejam levados em conta deve – quando penso eticamente – ser estendida aos interesses dos outros.
A partir desse raciocínio, Peter Singer cunhou o princípio da igual consideração dos interesses, pilar sobre o qual se funda a igualdade de todos os seres humanos. E mais, que sendo o princípio da igualdade de interesses uma sólida base moral para as relações inter-humanos, deve ele também ser aceito como regulador moral da relação humana com os seres não pertencentes à nossa espécie.
Isso porque, conclui o filósofo, o especismo é tão sem propósito e sem razão quanto o racismo, a discriminação de sexo, de classes sociais, de idade, etc. Por isso enfatiza que "[....] o fato de os seres não pertencerem à nossa espécie não nos dá o direito de explorá-los, nem significa que, por serem os outros animais menos inteligentes do que nós, possamos deixar de levar em conta os seus interesses" [98].
Em seus estudos, Singer observou que os estímulos que causam dor aos seres humanos também causam dor nos animais. Por isso, valendo-se de Bentham, reconhece que a capacidade de sofrimento é que deve conferir a um ser o direito à igual consideração:
Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. [99]
Se realmente o que diferencia a espécie humana dos outros animais é um maior uso da razão e da inteligência do que o deles, mister se faz que se canalize essa condição de superioridade apenas e tão-somente na busca de proteção aos seres menos dotados.
Ninguém enaltece um homenzarrão que maltrata uma criança franzina e desprotegida. Todos hão de condená-lo moralmente, a par das conseqüências legais que possa sofrer. Da mesma forma, um ser humano, que se diz racional, só pode ser considerado um covarde sem escrúpulos ao infligir sofrimento a um animal indefeso.
Certamente um homem jamais se atreveria a praticar crueldades contra um leão, se o encontrasse na selva, estando ambos em condições de igualdade, ou seja, utilizando exclusivamente a força física. Nem mesmo a um urso. A maldade e a crueldade humana quase sempre é praticada quando não há possibilidade de revida, constituindo por isso pura covardia.
4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant
Immanuel Kant, filósofo alemão, indagava-se constantemente por que se age por dever (moral) e conforme o dever (jurídica) e não de forma diversa. Tratou de dar resposta a essa inquietação com a obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Nela, desvenda que a vontade constitui a própria razão pura prática e é, por assim dizer, a mola propulsora da ética.
Ensina ele que a razão vulgar, para saber o que é bom e o que é mau, segue a orientação do dever. O dever é uma lei que o homem impõe-se a si mesmo. Há no homem uma bússola de mão que orienta sua reta ação, mesmo que essa ação contrarie suas inclinações e desejos mais íntimos, por uma única razão: dever. E esse dever provém de uma lei interna, que Kant denomina máxima. Eis sua postulação:
Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas no mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber como princípio de uma possível legislação universal. [100]
Ao agir de acordo com conceitos derivados da vontade pura ou a priori da razão, o homem cria princípios universais que devem ser seguidos por todos. Por assim dizer, agindo eticamente o homem não age por si próprio, mas por toda a humanidade. Eis a fórmula da lei universal de Kant: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal". [101]
Para Kant, só uma lei que seja universalmente válida pode dar origem a uma boa vontade incondicionada — isto é, a possibilidade de ser seguida por todo o ser racional é a única coisa que essa lei pode fornecer. Deste modo, a universalidade da lei é a fonte da imparcialidade e objetividade que caracteriza o pensamento moral comum.
Como enfatiza Sônia T. Felipe, "Kant [...] sem se preocupar com as conseqüências das ações morais, e sim mais com a qualidade da vontade do sujeito que age, exige, na sua fórmula ética, que em nenhuma das nossas ações tratemos a pessoa do outro ou a nossa própria pessoa meramente como meio para alcançar quaisquer outros fins menos dignos da nossa natureza moral." [102] A fórmula do imperativo categórico, que Kant designa como a fórmula do fim em si mesmo, é a seguinte:
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio. [103]
Ele então estabeleceu um reino dos fins, afirmando:
Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmo, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio [...]. [104]
Kant, contudo, elaborou sua teoria sobre o agir moral do homem partindo de uma premissa equivocada: a superioridade dos seres racionais sobre os irracionais, por isso, para ele somente os seres humanos têm um fim em si mesmo, ou seja, dignidade, enquanto os demais seres vivos têm apenas um preço.
Os seres humanos são, efetivamente, os únicos chamados a agir moralmente, pois detêm liberdade e autonomia, têm a possibilidade de agir de acordo com a razão, mesmo que contrarie suas inclinações. Os animais – afirmam os cientistas [105] - seguem inexoravelmente o rumo de seus instintos, não podendo ser julgados moralmente pelo seu agir. Se um gato ataca um rato, essa atitude faz parte da natureza do gato e, portanto, não se lhe poderá atribuir nenhuma sanção moral.
Mas os animais, ao contrário do que pensava Kant, não são meras coisas. São seres sencientes, que têm necessidades básicas como os humanos: fome, sede, frio, calor, etc.
Com base na capacidade de sentir dor é que deve assentar-se uma releitura do princípio categórico de Kant, de tal forma que não somente aos seres racionais, mas a todos os seres vivos seja devida uma ação de acordo com a máxima de que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. Por conseguinte, também o imperativo prático kantiano deve ser reescrito: Ages de tal maneira que uses a condição de ser vivo, tanto na tua pessoa como a de qualquer outro ser (independentemente da espécie) sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. [106]
A lei universal é, portanto, uma lei em que o homem deve se colocar no lugar do outro. É outra versão do velho ensinamento das Escrituras, que prescreve que só deves fazer ao outro o que desejas a ti mesmo. Deves te colocar no lugar do outro - seja ele um escravo açoitado, um mendigo faminto, um cão abandonado ou um cavalo maltratado - para saberes o que é ético, justo e moral. Se tu não achares justa tal ação ou omissão para contigo, não podes pretendê-la para o outro.
Assim, basta alargar o alcance do princípio categórico de Kant, de maneira que a regra segundo a qual deves agir apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal, a fim de que a ação ética contemple não só os seres chamados humanos, mas todas as espécies vivas existentes no planeta, para concluir-se que os animais não são meros meios da vontade humana. Têm eles um fim em si mesmos e por isso dignidade. A vida é o bem supremo, independentemente do veículo em que ela se manifeste.
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direito natural dos animais
Por maiores que sejam as elucubrações para tentar justificá-la, é ética e moralmente repudiável a utilização de animais em experiências, cujos resulta
Por maiores que sejam as elucubrações para tentar justificá-la, é ética e moralmente repudiável a utilização de animais em experiências, cujos resultados visem ao benefício única e exclusivamente dos seres humanos. A medicina e a ciência, obviamente, não podem estagnar, mas o moralmente aceitável, nesse caso, seria fazer experiências em humanos para auxiliar os humanos.
A utilização dos animais em experimentos só se justificaria, do ponto de vista deste estudo, e assim mesmo desde que minimizada a dor ao máximo, quando essas práticas tivessem por objetivo promover a saúde e o bem-estar de outros animais. Lamentavelmente, não fosse o sacrifício de alguns indivíduos, não existiria a medicina veterinária, que tantas outras vidas tem conseguido salvar.
3.5 Caça amadorista
A caça amadorista, por incrível que pareça, é uma atividade prevista na Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, o chamado Código de Caça, cuja permissão depende de ato regulamentador do Poder Público Federal.
A referida lei, em seus artigos. 5º e 6º, estabelece:
Art. 5º. O poder Público criará:
....
b) Parques de Caça Federais, Estaduais e Municipais, onde o exercício da caça é permitido, abertos total ou parcialmente ao público, em caráter permanente ou temporário, com fins recreativos, educativos e turísticos.
Art. 6º. O Poder Público estimulará:
a) a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e de tiro ao vôo, objetivando alcançar o espírito associativista para a prática desse esporte (grifou-se).
Como já se viu anteriormente, a Constituição, em seu art. 225, § 1º, VII, proíbe as práticas que submetam os animais a maus-tratos. À luz do texto constitucional, impõe-se reconhecer que a Lei nº 5.197/67, especificamente naquelas disposições que contrariam o texto constitucional, não foi recepcionada pela Constituição Federal, estando, dessa forma, tacitamente revogada. Senão vejamos: conforme definido no art. 7º da Lei nº 5.197/67, constituem atos de caça a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre, quando consentidas na forma da referida lei.
Normalmente, a apanha e a destruição na caça amadorista são realizadas por meio do uso de arma de fogo – espingardas ou assemelhados – e/ou de armadilhas.
A morte ou mutilação de um animal em virtude de um tiro de espingarda constitui, evidentemente, prática cruel, como já reconheceu a jurisprudência nacional:
Crueldade Contra Animais – Abate de Cachorro a Tiros – Pratica ato contrário aos sentimentos de humanidade aquele que provoca sofrimento desnecessários e injustificáveis a um cão, fisgando por intermédio de um anzol para, em seguida, abatê-lo a tiros (RT 176/94)
As armadilhas são, igualmente, formas cruéis de apanha, caça ou destruição de animais. E se tais práticas caracterizam atos cruéis contra animais, conseqüentemente contrariam o disposto na Constituição Federal.
Paradoxalmente, o IBAMA - uma das instituições responsáveis pela defesa dos animais no âmbito administrativo - edita anualmente portaria fixando os critérios para a caça amadorista, dentre eles a relação das espécies que podem ser capturadas, as áreas em que a caça é permitida, a temporada de caça e o número de exemplares que podem ser capturados por espécie.
Os interessados na prática desse esporte, por sua vez, devem obter licença, mediante recolhimento de taxas, cujos recursos são destinados, em grande parte, para a manutenção do sistema de fiscalização da própria caça amadorista..
Embora a excelência gaúcha em termos de legislação protetora dos animais, infelizmente o Estado do Rio Grande do Sul ocupa outra posição de destaque no cenário nacional, só que em sentido negativo: até 1992, era o único Estado em que o IBAMA permitia a caça por esporte, notadamente de perdizes, marrecos e lebres, com a justificativa de proteger a lavoura, em especial arrozeira.
Atualmente, outros Estados da Federação também reivindicam o direito à caça. De acordo com notícias veiculadas na imprensa, o Governador Jaime Lerner recentemente legalizou a caça no Estado do Paraná, sancionando o projeto de lei no 12.603, de autoria do deputado estadual Aníbal Koury. O Estado do Mato Grosso também se mobiliza para legalizar esse esporte.
Em realidade, a caça de animais para fins de preservação das lavouras encontra escopo no art. 37, caput e inciso II, da Lei nº 9.605/98, que estabelece:
Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
....
II – para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente.
No ano de 2001, o IBAMA editou a Portaria nº 90, permitindo que no Estado do Rio Grande do Sul se realizasse a caça amadorista, com o abate das seguintes espécies: marreca-caneleira, marreca-piadeira, lebre européia, pombão, pomba-de-bando, caturrita e garibaldi. Estabelecia a portaria que cada caçador teria direito a uma caçada semanal por modalidade (campo e banhado), dentro da temporada e nos limites dos municípios relacionados.
Felizmente, graças à atuação do Ministério Público, os direitos dos animais prevaleceram ante a sanha predatória dos caçadores. Os Procuradores da República João Carlos de Carvalho Rocha e Fábio Bento Alves, após receberem representação do Núcleo Amigos da Terra-Brasil, propuseram Ação Civil Pública com pedido liminar, contra o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, requerendo, em medida liminar, a suspensão imediata da temporada de caça amadorista no Estado do Rio Grande do Sul naquele ano. Em decisão liminar, a Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha, da 7ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, acolheu a ação civil pública, determinando a pronta suspensão da liberação da caça e, ainda, que o IBAMA, autarquia ré, procedesse ao controle e à fiscalização da proibição, comunicando ao Estado Maior da Brigada Militar no Estado, para os ajustes da atuação administrativa dos órgãos de fiscalização.
Em verdade, como muito bem enfatiza Edna Cardozo Dias [55], por detrás da prática da caça no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, há todo um interesse econômico envolvido. As principais indústrias de armas encontram-se no solo gaúcho: a Taurus, a Rossi e a Boito. O esporte caça amadorista envolve espingardas, munições e equipamentos que rendem somas vultosas.
A morte de um animal até poderia ser justificável, diante de um estado de necessidade, para servir de alimento ou em legítima defesa humana ou de outro animal, mas no caso da caça amadorista, a matança é por puro prazer ou divertimento. Seus adeptos não poupam recursos: dirigem-se para as regiões onde existe a caça, em camionetas modernas, muito bem equipadas e, no mais das vezes, acampam por dias a fio, à espreita de suas vítimas. Despendem razoáveis somas em dinheiro na compra de espingardas, de munição e no adestramento de cães de caça, além de pagarem taxa de licenciamento anual (R$ 300,00 de acordo com a Portaria nº 90 do IBAMA). Não é para fins de alimentação que é praticada a caça amadorista, mas por prazer, por esporte.
Pode até ser verdade que a caça amadorista, ao obedecer a critérios rígidos na seleção das espécies e na determinação das quantidades sujeitas ao abate, associados a uma fiscalização rigorosa por parte das autoridades competentes, não causa maiores danos a ponto de pôr em risco as faunas brasileira e gaúcha. Contudo, para o animal que foi sacrificado o dano é irreparável: a perda da vida, por simples capricho, hobby de uma elite com razoável poderio econômico.
Em que pesem as alegações dos adeptos desse esporte de mau gosto e de muitos especialistas de que a caça amadorista não causa danos ecológicos, a sua liberação, na verdade, só faz contribuir para a banalização da vida e do sofrimento alheio, incentivando assim outras práticas cruéis.
Como arremata Paulo Affonso Leme Machado, "houve época em que o homem fez da caça uma necessidade. Atualmente, procura-se dar foros de legitimidade a uma prática que fere não só o equilíbrio ecológico, como afronta um estilo pacífico de vida". [56]
3.6 Animais de estimação em apartamento
Uma das questões que mais têm batido às portas dos tribunais é a possibilidade de permanência ou não de animais em apartamentos. Inúmeras decisões judiciais conferem o direito aos condôminos, mesmo contra a convenção do edifício, de manterem seus animais de estimação, conquanto sejam animais dóceis, de pequeno porte, saudáveis e não perturbem o sossego dos vizinhos. Eis algumas decisões:
Cominatória - Animal doméstico em apartamento - Ação do condomínio - Decisão proibitiva aprovada em assembléia - Inexistência de prova quanto à perturbação, ao sossego, e à segurança. Decisão acertada. Apelo improvido. A decisão condominial aprovada em assembléia geral e regulamentar haverá de ser acatada pelos condôminos. Porém, não subsiste a mandamento judicial quando questionada. Provado nos autos que o animal doméstico de pequeno porte é dócil, não perturba o sossego e a segurança dos demais condôminos, a proibição decidida em assembléia não pode prevalecer, pois viola o direito de propriedade e de liberdade do cidadão. Apelo conhecido e improvido. Legislação: CPC ~ art. 20, § 4º (Ap. Civ. 67796700; Londrina; j. 06.06.1994; unânime; publ. 17.06.1994).
Condomínio. Manutenção de cão em apartamento. Mesmo que a convenção ou o regimento interno a proíbam, a vedação só se legitima se demonstrado o uso de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade ou à segurança dos demais condôminos (Ap. 183023944; 3ª Câm.. Civ.; TARS - Porto Alegre; j. TARS 48/364).
A genérica proibição de manter animais no apartamento, constante da convenção, tem sua finalidade explicitada no regulamento interno: impedir a permanência daqueles. que causem incômodos, perturbem o sossego e se constituam em ameaça à saúde e à segurança dos demais moradores. Se o animal mantido pelo morador não provoca nenhuma dessas situações, sua permanência deve ser tolerada. O simples fato do morador, a despeito da vedação contida na convenção ou regulamento, manter cachorrinho em seu apartamento, não autoriza a aplicação da multa e não é suficiente para sustentá-la (Ap. Civ. 189111313; Porto Alegre; 6ª Câm. Civ.).
Efetivamente, não há por que impedir que os moradores em condomínio permaneçam com seus animais. O fato de as convenções proibirem a presença de animais nos prédios, sem dúvida alguma, tem contribuído sobremaneira para o abandono de cães e gatos nas grandes cidades.
A expansão demográfica, aliada à escassez de recursos públicos para investimentos em saneamento e outras obras de infra-estrutura, tem provocado a verticalização das cidades, com a construção de prédios cada vez mais altos e em áreas antes destinadas exclusivamente a residências. Assim, a especulação imobiliária faz com as áreas mais centrais das cidades acabem supervalorizadas, conspirando contra a manutenção de residências unifamiliares.
Esse fato associado ao crescimento da violência urbana impõe mudanças na qualidade de vida das famílias. As pessoas que antes viviam em casas, em residências unifamiliares e que possuíam animais de estimação, vêm-se obrigadas a morar em prédios de apartamentos. Como as convenções de condomínio não permitem animais, elas não têm outra alternativa a não ser abandonar seus animaizinhos nas ruas.
3.7 Outras decisões em defesa dos direitos dos animais
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atento às normas protetoras dos animais, em decisão prolatada em 14 de setembro de 1998, declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 1.810, de 1998, instituída pelo município de Encruzilhada do Sul, autorizando realização de exposição e competição de aves de raça, briga de galo de rinha. Eis a ementa da decisão:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. COMPETE AO TRIBUNAL DE JUSTICA A TEOR DO ART. 125, PAR-2 DA CF/88, JULGAR AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CUJO OBJETO É LEI MUNICIPAL, EM FACE DE DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AINDA QUE O ÚLTIMO REPRODUZA O TEXTO DA CARTA FEDERAL. PRECEDENTE DO STF. PRELIMINAR REJEITADA. 2. O ART. 13. V. DA CE/89 VEDA QUE A LEI MUNICIPAL AUTORIZE A PROMOÇÃO, PELO HOMEM, DA RINHA DE GALOS, OU SEJA, PROMOVA BRUTALIDADE ANIMAL FORA DE SEU HABITAT E NORMALIDADE, QUE É UMA DAS TANTAS FORMAS ASSUMIDAS PELA CRUELDADE HUMANA CONTRA OUTRAS ESPÉCIES. 3. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.
Acerca da rinha de galos, recentemente, o Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro ajuizou no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.514, com pedido de liminar, contra a Lei Estadual nº 11.366, de abril de 2000, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, com o objetivo de normatizar a criação, exposição e competições entre aves da espécie galus-galus.
Consta que a ação foi ajuizada a pedido do Procurador da República no município de Joinville, Cláudio Valentim Cristian, ao argumento de que a lei estadual catarinense afronta o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que determina ser dever jurídico do poder público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente das práticas que submetem os animais a crueldades.
Segundo manifestação do próprio Procurador-Geral, é inegável que a lei catarinense possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldades, em flagrante violação ao mandamento constitucional.
Outra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul favorável aos direitos dos animais ocorreu no julgamento da Apelação Cível nº 592049746, em 30 de junho de 1992, relator o Des. Milton dos Santos Martins, cuja ementa se transcreve, em razão de seus lapidares ensinamentos:
EMENTA: TIRO AO POMBO. CRUELDADE AOS ANIMAIS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PROTEGE A FAUNA E VEDA CRUELDADE AOS ANIMAIS. DEFENDEM-SE NAO SÓ OS ANIMAIS DE EXTINÇÃO, MAS O PRÓPRIO HOMEM DE SUA AGRESSIVIDADE EM SE COMPRAZER COM TAIS ESPETÁCULOS DE ABATE DESNECESSÁRIO, COMO SE FOSSEM ESPORTE. O TIRO AO POMBO PODE ATENUAR-SE EM TIRO AO PRATO, SEM DANOS MAIORES E EM FAVOR DE UM CRESCIMENTO DA SENSIBILIDADE HUMANA, RESPEITO ENTRE AS ESPÉCIES. (APC Nº 592049746, PRIMEIRA CIVEL, TJRS,) (Grifou-se).
Inusitada e digna de louvor foi igualmente a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 18 de novembro de 1991, que, apreciando o Hábeas Corpus nº 10.166, com origem na comarca de Lages, negou o trancamento da ação penal requerido em favor de cidadão que desferiu tiro de espingarda em um cão.
Também o Poder Judiciário de São Paulo concedeu liminar na Ação Civil Pública no. 2059/053. 00. 031768-6, determinando que a municipalidade de São Paulo, através do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, se abstivesse de sacrificar animais utilizando câmara de descompressão - método altamente cruel de sacrifício - de capturá-los mediante o uso do instrumento denominado cambão ou qualquer outro meio semelhante.
Por derradeiro, merece especial destaque a decisão prolatada pelo Juiz Federal José Sabino da Silveira, no Estado do Paraná, no Mandado de Segurança 2000.70.09.002750-6, impetrado em favor da Sociedade Esportiva Rinhedeiro Pontagrossense, que, segundo consta na inicial, há mais de 72 anos praticava a rinha de galos e repentinamente teve seu estabelecimento fechado pelo IBAMA.
Todos os argumentos expendidos na decisão constituem uma verdadeira fonte de inspiração àqueles que defendem os direitos dos animais. Transcreve-se, contudo, apenas a parte conclusiva da decisão, em razão da extrema sensibilidade do eminente magistrado:
Em conclusão, se eu julgasse procedente o pedido formulado nestes autos estaria fechando os olhos para uma realidade cruel e, quiçá, contribuindo para que amanhã nossos filhos só pudessem ouvir o cantar de um galo em gravações, ou seja, estaria fazendo vistas grossas ao sábio conselho de MANOEL PEDRO PIMENTEL: "Levantem os olhos sobre o mundo e vejam o que está acontecendo à nossa volta, para que amanhã não sejamos acusados de omissão, se o homem, num futuro próximo, solitário e nostálgico de poesia, encontrar-se sentado no meio de um parque forrado com grama plástica, ouvindo cantar um sabiá eletrônico, pousado no galho de uma árvore de cimento armado" (Revista de Direito Penal, 24:91, também sem o negrito no original).
III - DISPOSITIVO
Pelo exposto, denego a segurança e condeno a impetrante nas custas processuais. Sem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ponta Grossa, 18 de dezembro de 2000.
3.8 É errado usar animais como alimento?
Os vegetarianistas pregam o não-consumo de carne, porque para obtê-la faz-se necessário o sacrifício dos animais, o que consideram moralmente errado. Já os adeptos do consumo da carne contra-argumentam afirmando que se os animais comem uns aos outros, não existiria razão para que os homens também não o fizessem. Aduzem, ainda, que se se buscasse eliminar os produtos de origem animal, a humanidade estaria retrocedendo.
A questão parece não ser bem assim. Na realidade a dependência de produtos de origem animal sempre foi em maior escala quanto mais atrasada a civilização. Convém lembrar que a antropofagia era praticada nos primórdios da humanidade. Os homens das cavernas, além da carne, utilizavam as peles dos animais para se abrigarem do frio. Hoje não é mais necessário o uso de peles, pois a humanidade encontrou outras fontes de aquecimento, até mais eficazes. O uso de peles atualmente prende-se exclusivamente ao modismo e à luxúria.
Quanto à alimentação, as técnicas de produção de vegetais e de cereais, e mesmo a engenharia genética para o desenvolvimento de novos produtos de origem vegetal, possibilitam ao homem obter todos os nutrientes necessários a uma vida saudável, sem necessidade de recorrer ao consumo de carne.
O mais grave, porém, no costume de consumir-se carne como alimento, não é tanto a morte do animal, pois, cedo ou tarde todos os seres vivos morrem – a morte é inexorável -, mas a maneira como os animais são criados e abatidos.
Além de serem mortos de forma cruel para servirem de alimento, os animais criados para consumo vivem vidas miseráveis. As aves que se consomem hoje em dia são criadas em espaços minúsculos, com pouca ventilação, tratadas com rações enriquecidas por hormônios, que atrofiam seus corpos, criando peitos muito maiores do que naturalmente teriam, porque a demanda por essa parte das aves é maior do que a de outras. Depois, são transportadas para os abatedouros, empilhadas às dezenas em pequenos caixotes, pisoteando-se umas às outras, muitas delas chegando já mortas ao destino.
Os adeptos da carne, para justificar a criação intensiva de animais para o abate, argumentam que sem o seu consumo a humanidade passaria fome. Porém, esse também é um argumento pouco convincente, já que as grandes áreas de terras utilizadas na criação de animais – gado especialmente - poderiam perfeitamente ser destinadas ao plantio e cultivo de cereais, por exemplo, e aí a produção destes compensaria com sobra o não-consumo da carne. Além disso, convém lembrar que os animais criados em cativeiro consomem grandes quantidades de alimentos que poderiam facilmente ser destinados à alimentação humana.
Na cadeia alimentar, os seres herbívoros são considerados consumidores primários, ou seja, do primeiro nível hierárquico. Já os que se alimentam de carne, os carnívoros, são consumidores secundários. De acordo com estudos, há uma perda de energia a cada nível hierárquico. Apenas 10% da energia de um nível são produzidos a partir do próximo nível. [57]
Em verdade, em vez de os seres humanos se alimentarem diretamente dos vegetais, usam as plantas e os cereais para engordar o gado, as aves e outros animais, cuja carne depois consomem, num desperdício de alimento e energia.
Igualmente não se pode aceitar o argumento de que se os animais não fossem criados para o abate eles não existiriam. Evidentemente que um boi, considerado como um indivíduo em particular, poderia efetivamente não existir, não tivesse ele sido gerado e criado para o abate, mas a espécie bovina, com certeza, existiria na face da Terra, apenas que de maneira livre, sem ser tratada como produto de consumo, como ocorre na Índia, onde o gado é sagrado.
Não resta dúvida de que muito contribuem para a manutenção do consumo de carne as técnicas modernas de apresentação de produtos, com pratos pré-prontos, congelados, que tornam invisível ao homem o sacrifício alheio. Os consumidores não precisam mais, pessoalmente, ‘matar` o animal, limpá-lo e cortar-lhe a carne. As suas mãos estão limpas, não há sangue nelas, por isso nem percebem que para satisfazer seu paladar precisam eliminar uma vida.
Pergunta-se, porém: o direito à vida é, afinal, um direito absoluto? Todos hão de concordar que tirar uma vida de forma intencional, por ação ou omissão, ou por negligência, imperícia e imprudência, é errado. A morte só se justifica em duas circunstâncias: defesa própria ou de outrem e estado de necessidade.
As pessoas que vivem nos grandes centros urbanos não têm necessidade de consumir carne, podem perfeitamente substituí-la, com muito mais vantagens, por produtos de origem vegetal. Em compensação, um esquimó, que vive no Alasca, não pode ser moralmente condenado por abater um animal para se alimentar. Lá não há outra alternativa. Nesse caso, o sacrifício animal é plenamente justificável.
Com certeza, a evolução da espécie humana transformará o homem em um ser puramente vegetariano. Essa é uma questão intrínseca à evolução não só humana, mas de todos os seres vivos. Os cientistas afirmam que os pandas (ursos da China) há milhões de anos eram, como todos os de sua espécie, carnívoros. Com o crescimento da população chinesa e o conseqüente incremento na demanda de terras para o cultivo de lavouras, esses bichinhos viram seu habitat natural reduzir-se gradativamente, a ponto de serem obrigados a viver em regiões cada vez mais altas nas grandes montanhas da China. Com a escassez de presas nos invernos rigorosos nas montanhas chinesas, os pandas sofreram um processo de adaptação: passaram a consumir as folhas tenras do bambu, hoje sua única fonte de alimento. Como as folhas de bambu são fontes pobres em proteína, os pandas passaram a não mais hibernar, como fazem seus parentes polares e americanos, ante a necessidade de se alimentarem constantemente. [58]
Também os cães e os gatos, quando selvagens, são exclusivamente carnívoros. Quantos deles em nossos lares não passaram a consumir frutas, verduras e cereais? O consumo de carne constitui apenas uma questão de hábito, de costume, de gosto e cultura, sendo assim plenamente dispensável, pelo menos nas regiões menos inóspitas do planeta, nas quais a agricultura é perfeitamente praticável.
3.9 Animais: nossos colaboradores
A história da humanidade certamente não seria a mesma, não fosse a presença na Terra dos animais. Desde os tempos mais remotos, os animais têm contribuído, de alguma forma, para o desenvolvimento do homem. O homem pré-histórico sobreviveu graças aos animais: sua carne era usada como alimento e sua pele como abrigo no frio. Sem os animais, a espécie humana teria perecido.
Depois, pouco a pouco, os seres humanos descobriram outras formas de utilização dos animais. Os eqüídeos, a exemplo do que ainda hoje ocorre nas áreas rurais, passaram a ser utilizados como meio de transporte e força motriz. Também do sofrimento dos cavalos obtém-se a vacina antiofídica, que salva vidas humanas da morte por envenenamento decorrente de picada de cobras e outros animais peçonhentos. O processo de fabricação do veneno, como relata Edna Cardozo Dias, é tormentoso:
[....] consiste em se injetar veneno de cobra, escorpião ou aranha em cavalos, para a produção de anticorpos. O impacto do veneno é tão forte que ele precisa ser recebido em três dosagens. Os cavalos são amarados em um tronco, sem chances de defesa, e recebem em dias alternados as doses do veneno. Cheios de dor, arrastam-se até o cercadão, onde descansam alguns dias e voltam ao tronco para serem sangrados. Alguns dias de descanso e recomeça o martírio, que só termina com a morte do animal. [59]
As vacas e cabras, por sua vez, fornecem o leite, fonte de vida que alimenta tanto os recém-nascidos, quando as mães não os podem amamentar, como crianças, adolescentes, adultos e idosos. Dessa riquíssima fonte de alimento derivam todos os produtos do gênero laticínio: queijo, manteiga, nata, iogurte, requeijão, etc. Até os seus dejetos são largamente utilizados, quer como adubo natural, quer como componente de argamassa, para a construção de casas de barro, ou mesmo como combustível, para serem queimados depois de secos. Em muitas regiões, o gado também é utilizado como força motriz para arar a terra, mover moinhos, pilões, etc.
As galinhas, a seu turno, oferecem-nos seus ovos, outra importante fonte de alimento, e também suas penas, para a confecção de travesseiros e acolchoados, que abrigam os humanos nos invernos rigorosos. Até os seus excrementos são adubos naturais bastante eficazes.
Das ovelhas retira-se a lã utilizada na indústria do vestuário. As abelhas nos presenteiam com o seu néctar - o mel – além do própolis, poderosíssimo antibiótico natural, e a cera. Do bicho da seda obtém-se os fios para a confecção desse finíssimo tecido. Na Tailândia, os elefantes transportam toras de madeira há anos.
Os cães, além de guardarem a propriedade contra intrusos, sejam eles humanos ou animais, são, sem dúvida os melhores amigos do homem: auxiliam na locomoção de pessoas deficientes físicas e visuais; na busca e salvamento de pessoas perdidas ou soterradas em avalanches e terremotos. São, ainda, reconhecidamente grandes pastores. Devido à sua grande capacidade olfativa, os cães atualmente têm sido utilizados até mesmo para detectar o transporte de drogas e de material explosivo.
Os gatos, a par da companhia que proporcionam aos humanos, afastam das casas os roedores, grandes transmissores de doenças. A eliminação da população felina provoca um desequilíbrio, infestando as cidades de doenças transmitidas pelos ratos, como a leptospirose..
Os pássaros deleitam-nos com sua beleza e seu cantar, mas também, a exemplo de alguns insetos, são semeadores e polinizadores, contribuindo para a preservação do meio ambiente, que o homem insiste em depredar.
Apesar de toda a contribuição que os animais trazem e já trouxeram ao desenvolvimento da civilização, o ser humano tem sido capaz de atraiçoá-los maltratando-os, mutilando-os, usando-os para testar produtos químicos, biológicos, e atualmente até implantando genes modificados, para testar seus resultados.
Mister se faz que a humanidade se conscientize de que não é dona do planeta, mas apenas uma das milhares de espécies nele existentes e que, por isso, deve viver em comunhão com os outros seres vivos. As outras espécies vivas já existiam na face da Terra antes de o homem surgir e certamente muitos outros continuarão a existir, depois que a raça humana for extinta.
3.10 Abandono de animais
Os seres humanos têm-se tornado, principalmente nas últimas duas décadas, criaturas cada vez mais individualistas e solitárias, por isso muitas vezes só encontram segurança e conforto na companhia de animais. Em razão disso, mesmo sem o uso dos códigos da comunicação verbal humana, os animais, com suas manifestações de afeto e de companheirismo, vêm ganhando cada vez mais espaço na vida dos homens.
E esses bichinhos exigem cuidados especiais. Por isso, as lojas especializadas em comércio de animais de estimação, as chamadas pet shops, transformaram-se, na última década, num grande negócio. Os especialistas dizem que os lucros não param de crescer. Segundo noticiou o jornal Estadão de São Paulo, do dia 6 de novembro de 2001, o presidente da Associação dos Revendedores e Prestadores de Serviços ao Mercado Pet – ASSOFAUNA- Francisco Venturi Regis, estimava que naquele ano o mercado de animais de estimação movimentaria cerca de US$ 750 milhões ao ano.
Além dos animais em si, há toda uma série de produtos que são fabricados para a satisfação e o conforto dos bichinhos de estimação. A linha de alimentos para cães e gatos fatura anualmente enormes somas. De acordo com estimativa do presidente de ASSOFAUNA, "só em ração especial para animais de estimação há um movimento de US$ 624 milhões".
Os produtos de higiene, limpeza, vacinas e medicamentos são outra fonte inesgotável de dinheiro. Além disso, criou-se toda uma rede de serviços em torno dos animais de estimação, especialmente cães e gatos: surgiram clínicas veterinárias, serviços de banho e tosa, de manicure, de hospedagem, de acasalamento, de acompanhamento.
Até serviço de táxi já está à disposição dos animais. Eduardo Almeida Passeri, em entrevista ao jornal Estadão, disse que precisou transportar seus cães entre Cotia e São Paulo, mas teve dificuldades em encontrar quem fizesse o transporte. Por isso teve a idéia de montar esse serviço, passando a faturar cerca de R$ 700,00 por mês.
Infelizmente, na mesma proporção em que cresce o número de animais de estimação, aumenta o de animais abandonados. Muitas pessoas, movidas por impulso, adquirem um animal de estimação, no mais das vezes ainda filhote, ou porque estão solitárias, ou porque o bichinho é bonitinho, ou porque as crianças pediram, mas depois, no primeiro problema que surge, não fazem a menor cerimônia em descartar o animal. Jogam-no fora, o abandonam.
É muito comum ver que cadelas ou gatas com ninhadas inteiras são jogadas nas ruas, descartadas. Segundo estimativa das entidades protetoras dos animais, existe hoje no País cerca de 25 milhões de cães e 11 milhões de gatos, e a tendência é que esse quadro fique cada vez mais caótico, pois enquanto uma mulher é capaz de gerar um único filho por ano, uma cadela gera 15 cães e uma gata, 45 filhotes.
Preocupadas com o crescimento da população de rua desses animais, muitas entidades protetoras dos animais lançam campanhas de esterilização em massa. No Rio Grande do Sul, por exemplo, atuam no controle populacional de cães e gatos por meio de esterilização entidades como o IMEPA – Instituto Metropolitano de Proteção aos Animais, a ARPA – Associação Riograndense de Proteção aos Animais, a UDEVA – União de Defesa da Vida Animal, SOAMA – Sociedade Amigos dos Animais, SOS Animal – Associação Pelotense de Cidadania, GABEA – Grupo de Apoio e Bem-estar Animal, Clube Amigos dos Animais de Santa Maria. Em Santa Catarina destacam-se ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais e a Sociedade Animal. Em São Paulo, dentre outras, atuam a ANIMA, a Animais do Quintal de São Francisco, a AILA – Aliança Internacional do Animal, a Associação Protetora de Animais São Francisco de Assis, Associação Vida Animal – Cães e Gatos sem lar e a UIPA – União Internacional de Proteção aos Animais.
Também os municípios têm legislado sobre o tema da superpopulação de animais de rua, às vezes de forma truculenta, como foi o caso do município de Florianópolis. A Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde e Bem Estar Social da Capital do Estado de Santa Catarina, com base na Lei Municipal nº 1.224 – Código de Posturas do Município - pretendeu pôr em prática o sistema de apreensão e sacrifício de cães capturados nas ruas. A referida lei, acerca do tema, dispõe:
Art. 98 - Todos os proprietários de cães são obrigados a matriculá-los na Prefeitura Municipal, pagando a taxa prevista em Lei.
Art. 99 – Para cada cão matriculado o proprietário fornecerá uma coleira e/o respectivo açaino, sendo gravado na coleira o número da matrícula.
1º- É proibida a permanência de cães nos logradouros públicos, sem que traga açaino e coleira com o número de matrícula.
2º - Os cães de vigia ou de caça, nem mesmo açainados, poderão permanecer nos logradouros públicos.
Art. 100 – Os cães encontrados nos logradouros públicos fora das condições do artigo anterior serão apreendidos e levados para o depósito municipal ou para o Biotério da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo mortos se não forem reclamados no prazo de 3 (três) dias e os não matriculados se não forem reclamados dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
1º- Os cães de raça não reclamados no prazo de 3 (três) dias serão levados a leilão, como o disciplinado neste capítulo.
2º- Os donos de cães retirados do depósito ficam sujeitos ao pagamento de multa 1/10%º de SM, além das despesas de depósito e recolhimento dos tributos devidos.
2º - Os cães portadores de moléstias serão mortos, e, se matriculados notificados os proprietários.
Conforme amplamente noticiado na época em que a Prefeitura de Florianópolis pretendeu implementar a lei, os cães recolhidos eram sacrificados através de métodos cruéis, o que ensejou a Ação Civil Pública [60] proposta pelo Ministério Público, na pessoa do Procurador Dr. Antonio Carlos Brasil Pinto, litisconsorciado com a ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais. A liminar foi concedida, impedindo-se, assim, a implementação do sistema de apreensão e sacrifício da população canina, a chamada carrocinha.
Ao lado da esterilização gratuita ou a preço simbólico dos animais, especialmente daqueles que já se encontram nas ruas e dos que pertencem a pessoas de baixa renda, cuja prole tem grandes probabilidades de tornar-se animal de rua, o poder público, em associação com as entidades de proteção dos animais, deve promover campanhas de conscientização contra o abandono de animais, bem assim como de incentivo à adoção de animais de rua. Essas campanhas devem iniciar-se nas escolas de primeiro grau, pois se as crianças forem educadas a preservar a natureza, a não maltratar os animais e a não abandonar os bichinhos de estimação, cedo ou tarde elas conseguirão reeducar os adultos.
Como se observou neste capítulo, as decisões judiciais reconhecedoras dos direitos dos animais vêm, mesmo que timidamente, se consolidando. A despeito de se constituir em um avanço importantíssimo, toda a jurisprudência favorável aos animais não é suficiente para garantir a efetiva observância de seus direitos. Aliás, se questões relativas aos direitos dos animais batem às portas dos tribunais, isso significa que os animais não estão tendo seus direitos respeitados.
É por isso que se defende, neste estudo, que, antes de tudo, o respeito aos direitos dos animais deve ser encarado como uma atitude ética e moral por parte dos humanos. Os seres não–humanos devem ser incluídos nas nossas considerações morais, pois, como muito bem coloca Sônia T. Felipe:
[...] cada vez que praticamos uma ação que exclui o outro da nossa consideração, acabamos por afirmar interesses egoístas e não racionais. Matar, torturar, destratar, causar danos físicos, psíquicos e morais são atos que confirmam o desejo de exclusão do outro. Eles fazem encolher a moralidade no sujeito que os pratica, ao contrário de afirmar nele a moralidade e de nela fundar os princípios das ações e decisões que afetam os interesses do outro. [61]
CAPÍTULO IV
OS DIREITOS DOS ANIMAIS COMO VALOR ÉTICO E MORAL
4.1 Origem e fonte dos direitos - 4.1.1 Contratualismo - 4.1.2 Jusnaturalismo - 4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais - 4.1.4 Direito como exigência de justiça - 4.2 O direito natural dos animais - 4.3 Seres racionais versus seres irracionais - 4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos - 4.5 O princípio da igual consideração dos interesses de Peter Singer - 4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant.
4.1 Origem e fonte dos direitos
O direito, segundo os estudiosos, possui diversas fontes. No Estado contemporâneo, o direito tem origem basicamente na lei ou nos costumes. Contudo, se quem dita o direito é a lei, e a lei e o costume são produtos do homem, teríamos que para cada ser humano haveria uma lei, um costume e conseqüentemente um direito específico. Como então é possível que todos os homens se submetam às mesmas leis e ao mesmo direito? Para dar conta de responder por que os homens, no mais das vezes, seguem as mesmas leis, foi necessária a construção de uma ficção: o contrato social.
Distingue-se, aqui, dois tipos de direitos: o direito do mundo que se chamará de social, por falta de melhor definição, que é o mundo que o homem cria a partir de sua associação com seus semelhantes. As leis que disciplinam regras de trânsito, da propriedade, do comércio, da economia, das finanças, da família – instituições criadas pelo homem - são dessa espécie. Esse direito tem por fundamento o contratualismo, a subscrição de pactos, pelos quais se estabelecem direitos, mas em contrapartida, também obrigações. Por isso, só pode ser firmado por seres capazes, autônomos, dotados de discernimento e livre arbítrio. Não são direitos eternos, perenes, definitivos. Assim, a legislação que certamente em alguma época da história da humanidade disciplinou a iluminação pública pelo meio de lampiões à querosene foi revogada, sem que se tenha com isso violado direito fundamental algum.
Mas há uma outra espécie de direitos: os direitos do homem no mundo real, enquanto ser vivo, direitos esses que nenhum governo, associação ou poder tirânico podem usurpar, pois que fazem parte da essência do homem. Esses são os denominados direitos fundamentais: direito à vida, à liberdade, à alimentação, à moradia, a ser tratado com dignidade, ou seja, não sofrer violência ou maus-tratos. Tais direitos são intrínsecos ao homem, por sua condição de ser vivo, e independem de pactos, tanto é assim que mesmo seres humanos incapazes – bebês, nascituros, alienados mentalmente, doentes terminais que não têm autonomia e não podem manifestar sua vontade – são sujeitos desse segundo tipo de direitos.
Há uma lei anterior à leis dos homens, que regula toda vida no universo. Desde Aristóteles procurava-se o princípio primeiro, a causa primeira, geradora de todas as coisas, ou o pensamento divino que dirige todos os atos e movimentos, conforme definido por S. Tomás. Também Sófocles diferenciou as leis emanadas da natureza (direito natural) daquelas provindas do Estado (direito positivo), como atesta sua obra Antígona. [62]
Os direitos naturais, por serem intrínsecos ao homem, não se opõem ao direito positivo; aliás, este apenas e tão-somente reconhece aqueles e os complementa. Foi assim com os direitos dos negros de não serem escravizados, o direito de igualdade das mulheres em relação ao homem, o direito dos homossexuais, para citar apenas alguns exemplos.
Mesmo quando positivados, esses direitos tiveram, necessariamente, como base a priori uma aspiração, um desejo, um sentimento de justiça, senão de toda a coletividade, pelo menos de parte dela. Somente depois de séculos de aspirações e mesmo de luta, foi estabelecida, em lei, a abolição da escravatura.
Enfim, o direito inerente ao ser vivo floresce primeiro na mente e nos corações das pessoas, para só depois, muitas vezes ao cabo de muita luta, virem a ser reconhecidos pela lei positiva. É nessa espécie direitos a priori que se incluem os direitos dos animais, muito embora já existam legislações que os reforcem e contemplem de forma positivada.
4.1.1 Contratualismo
Jean-Jacques Rousseau foi um dos expoentes da idealização da teoria do contratualismo. Baseou-se na idéia de que os homens, em estado de natureza, viviam de forma livre, senhores de si e felizes. Entretanto, admitindo que a natureza humana é egoística, os homens acabaram por perceber que, cada qual tendo a liberdade para fazer tudo o que bem entendesse, estavam sujeitos a um único poder: a força do mais forte. Para refrear tais instintos negativos, os homens estabeleceram um pacto, por meio do qual cada indivíduo renunciava a uma parcela de sua liberdade incondicional, conquistando, em contrapartida, maior segurança. Criou-se, assim, o Estado, a quem os homens entregaram parte de sua soberania, cabendo a esse ente ditar as normas e dizer o direito. O conjunto de normas estabelecidas pelo Estado constitui a lei particular, pelo meio da qual os homens, por seus representantes, estabelecem as normas de conduta na sociedade. [63]
Pela teoria contratualista, os seres humanos estabelecem pactos de respeito recíproco: eu me abstenho de tomar pela força o que te pertence, desde que tu também respeites os meus bens.
Assim muitos filósofos – dentre eles John Rawls e David Gauthier, como nos revela Peter Singer [64] – sustentam uma teoria ética baseada na reciprocidade e com isso, conseqüentemente, excluem os animais. Segundo a teoria da reciprocidade, se os animais não nos podem oferecer a contrapartida da nossa abstenção de crueldade para com eles, não haveria por que nos abstermos de maltratá-los.
Essa teoria, contudo, contém uma incongruência: se tal raciocínio fosse levado até as últimas conseqüências, não haveria razão para a humanidade abster-se de praticar violências contra crianças pequenas, recém-nascidos, idosos, incapazes, deficientes físicos, alienados e loucos de todo o gênero, já que eles não podem oferecer a contrapartida da não-agressão. Assim, não só se excluiria do âmbito da conduta ética os animais, mas todos os seres humanos tidos como ‘incapazes’. Depois, gradativamente, cada pessoa alargaria o grupo dos excluídos do âmbito de sua conduta ética na proporção de suas menores inteligência, destreza, agilidade e/ou complexidade física. Exemplificando, por que me abster de praticar atos maus contra meu vizinho, se sou mais inteligente, mais ágil, mais esperto e/ou mais forte que ele?
Ademais, como enfatiza Peter Singer, nessa concepção, "a principal razão para se celebrar o contrato ético é o interesse pessoal". De tal sorte que se assim for - segue o autor:
[...] teremos que rever drasticamente os nossos juízos éticos. Por exemplo: os traficantes de escravos que levaram escravos africanos para a América não tinham nenhuma razão pessoal para tratar os africanos melhor do que tratavam. Os africanos não tinham como retaliar. Se fossem contratualistas, os traficantes de escravos poderiam ter contestado os abolicionistas, explicando-lhes que a ética pára nas fronteiras da comunidade e, como os africanos não pertencem à sua comunidade, não têm quaisquer obrigações para com eles. [65]
Lembra ainda o autor que, tendo por base a teoria da reciprocidade, não haveria razão para preocupação com as gerações futuras, eis que elas não poderão oferecer a contrapartida de uma conduta ética da atual geração. Não haveria motivos de preocupação, igualmente, com lixo nuclear, por exemplo, cuja nocividade dura mais de 250 anos, se cada um dos seres existentes no planeta, atualmente, só viverá, no máximo, entre 80 e 100 anos.
Com embasamento nas digressões efetuadas, forçoso é admitir que a teoria contratualista da reciprocidade não pode fundamentar nem embasar o agir ético do homem.
4.1.2 Jusnaturalismo
O jusnaturalismo propõe a existência de um direito anterior e superior ao direito posto pelo Estado, e que pertence ao homem simplesmente pela condição de sua natureza humana. Muitas foram e têm sido as críticas quanto à existência de um direito natural, que tenha origem na própria natureza das coisas, na ordem cósmica. Roberto Lyra Filho, por exemplo, afirma que "se nos aproximarmos das concepções do que é tomado como natureza das coisas, verificamos que esta é apenas invocada para justificar uma determinada ordem social estabelecida". [66] Por isso, segundo o autor, a natureza das coisas da escravidão poderia ser utilizada como justificativa pelas sociedades em que a escravatura fosse o modo de produção econômico e, portanto, a base da estrutura assente.
Da mesma forma, enfatiza o autor, o direito natural teológico serviu muito bem à estrutura aristocrático-feudal da Idade Média, fazendo de Deus, como enfatiza Lyra, "uma espécie de político situacionista". [67]
Foi só com a contestação burguesa da ordem estabelecida que surgiu um novo direito natural, o antropológico, no qual o homem extraía da própria razão os princípios supremos. Entretanto, chegando ao poder, "a burguesia descartou o jusnaturalismo, passando a defender a tese positivista: já que tinha conquistado a máquina de fazer leis e por que, então, apelar para um Direito Superior?". [68]
Na verdade, enfatiza Lyra, o direito natural não é tanto imobilista, como bastante manhoso: "ele sempre deixa lugar para ‘concretizações’ em que os preceitos atribuídos à natureza, a Deus ou ao próprio esforço racional, tendem a conciliar o padrão absoluto e as leis vigentes". [69], favorecendo a manutenção do status quo. Contudo, quando as tensões sociais aumentam, quando o poder instituído mostra-se prepotente, "costuma reaparecer, com especial atrativo, o velho direito natural. Já se falou, por isso, em ‘eterno retorno’, diante da longevidade jusnaturalista". [70]
A utilização dos animais em experimentos só se justificaria, do ponto de vista deste estudo, e assim mesmo desde que minimizada a dor ao máximo, quando essas práticas tivessem por objetivo promover a saúde e o bem-estar de outros animais. Lamentavelmente, não fosse o sacrifício de alguns indivíduos, não existiria a medicina veterinária, que tantas outras vidas tem conseguido salvar.
3.5 Caça amadorista
A caça amadorista, por incrível que pareça, é uma atividade prevista na Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, o chamado Código de Caça, cuja permissão depende de ato regulamentador do Poder Público Federal.
A referida lei, em seus artigos. 5º e 6º, estabelece:
Art. 5º. O poder Público criará:
....
b) Parques de Caça Federais, Estaduais e Municipais, onde o exercício da caça é permitido, abertos total ou parcialmente ao público, em caráter permanente ou temporário, com fins recreativos, educativos e turísticos.
Art. 6º. O Poder Público estimulará:
a) a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e de tiro ao vôo, objetivando alcançar o espírito associativista para a prática desse esporte (grifou-se).
Como já se viu anteriormente, a Constituição, em seu art. 225, § 1º, VII, proíbe as práticas que submetam os animais a maus-tratos. À luz do texto constitucional, impõe-se reconhecer que a Lei nº 5.197/67, especificamente naquelas disposições que contrariam o texto constitucional, não foi recepcionada pela Constituição Federal, estando, dessa forma, tacitamente revogada. Senão vejamos: conforme definido no art. 7º da Lei nº 5.197/67, constituem atos de caça a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre, quando consentidas na forma da referida lei.
Normalmente, a apanha e a destruição na caça amadorista são realizadas por meio do uso de arma de fogo – espingardas ou assemelhados – e/ou de armadilhas.
A morte ou mutilação de um animal em virtude de um tiro de espingarda constitui, evidentemente, prática cruel, como já reconheceu a jurisprudência nacional:
Crueldade Contra Animais – Abate de Cachorro a Tiros – Pratica ato contrário aos sentimentos de humanidade aquele que provoca sofrimento desnecessários e injustificáveis a um cão, fisgando por intermédio de um anzol para, em seguida, abatê-lo a tiros (RT 176/94)
As armadilhas são, igualmente, formas cruéis de apanha, caça ou destruição de animais. E se tais práticas caracterizam atos cruéis contra animais, conseqüentemente contrariam o disposto na Constituição Federal.
Paradoxalmente, o IBAMA - uma das instituições responsáveis pela defesa dos animais no âmbito administrativo - edita anualmente portaria fixando os critérios para a caça amadorista, dentre eles a relação das espécies que podem ser capturadas, as áreas em que a caça é permitida, a temporada de caça e o número de exemplares que podem ser capturados por espécie.
Os interessados na prática desse esporte, por sua vez, devem obter licença, mediante recolhimento de taxas, cujos recursos são destinados, em grande parte, para a manutenção do sistema de fiscalização da própria caça amadorista..
Embora a excelência gaúcha em termos de legislação protetora dos animais, infelizmente o Estado do Rio Grande do Sul ocupa outra posição de destaque no cenário nacional, só que em sentido negativo: até 1992, era o único Estado em que o IBAMA permitia a caça por esporte, notadamente de perdizes, marrecos e lebres, com a justificativa de proteger a lavoura, em especial arrozeira.
Atualmente, outros Estados da Federação também reivindicam o direito à caça. De acordo com notícias veiculadas na imprensa, o Governador Jaime Lerner recentemente legalizou a caça no Estado do Paraná, sancionando o projeto de lei no 12.603, de autoria do deputado estadual Aníbal Koury. O Estado do Mato Grosso também se mobiliza para legalizar esse esporte.
Em realidade, a caça de animais para fins de preservação das lavouras encontra escopo no art. 37, caput e inciso II, da Lei nº 9.605/98, que estabelece:
Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
....
II – para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente.
No ano de 2001, o IBAMA editou a Portaria nº 90, permitindo que no Estado do Rio Grande do Sul se realizasse a caça amadorista, com o abate das seguintes espécies: marreca-caneleira, marreca-piadeira, lebre européia, pombão, pomba-de-bando, caturrita e garibaldi. Estabelecia a portaria que cada caçador teria direito a uma caçada semanal por modalidade (campo e banhado), dentro da temporada e nos limites dos municípios relacionados.
Felizmente, graças à atuação do Ministério Público, os direitos dos animais prevaleceram ante a sanha predatória dos caçadores. Os Procuradores da República João Carlos de Carvalho Rocha e Fábio Bento Alves, após receberem representação do Núcleo Amigos da Terra-Brasil, propuseram Ação Civil Pública com pedido liminar, contra o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, requerendo, em medida liminar, a suspensão imediata da temporada de caça amadorista no Estado do Rio Grande do Sul naquele ano. Em decisão liminar, a Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha, da 7ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, acolheu a ação civil pública, determinando a pronta suspensão da liberação da caça e, ainda, que o IBAMA, autarquia ré, procedesse ao controle e à fiscalização da proibição, comunicando ao Estado Maior da Brigada Militar no Estado, para os ajustes da atuação administrativa dos órgãos de fiscalização.
Em verdade, como muito bem enfatiza Edna Cardozo Dias [55], por detrás da prática da caça no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, há todo um interesse econômico envolvido. As principais indústrias de armas encontram-se no solo gaúcho: a Taurus, a Rossi e a Boito. O esporte caça amadorista envolve espingardas, munições e equipamentos que rendem somas vultosas.
A morte de um animal até poderia ser justificável, diante de um estado de necessidade, para servir de alimento ou em legítima defesa humana ou de outro animal, mas no caso da caça amadorista, a matança é por puro prazer ou divertimento. Seus adeptos não poupam recursos: dirigem-se para as regiões onde existe a caça, em camionetas modernas, muito bem equipadas e, no mais das vezes, acampam por dias a fio, à espreita de suas vítimas. Despendem razoáveis somas em dinheiro na compra de espingardas, de munição e no adestramento de cães de caça, além de pagarem taxa de licenciamento anual (R$ 300,00 de acordo com a Portaria nº 90 do IBAMA). Não é para fins de alimentação que é praticada a caça amadorista, mas por prazer, por esporte.
Pode até ser verdade que a caça amadorista, ao obedecer a critérios rígidos na seleção das espécies e na determinação das quantidades sujeitas ao abate, associados a uma fiscalização rigorosa por parte das autoridades competentes, não causa maiores danos a ponto de pôr em risco as faunas brasileira e gaúcha. Contudo, para o animal que foi sacrificado o dano é irreparável: a perda da vida, por simples capricho, hobby de uma elite com razoável poderio econômico.
Em que pesem as alegações dos adeptos desse esporte de mau gosto e de muitos especialistas de que a caça amadorista não causa danos ecológicos, a sua liberação, na verdade, só faz contribuir para a banalização da vida e do sofrimento alheio, incentivando assim outras práticas cruéis.
Como arremata Paulo Affonso Leme Machado, "houve época em que o homem fez da caça uma necessidade. Atualmente, procura-se dar foros de legitimidade a uma prática que fere não só o equilíbrio ecológico, como afronta um estilo pacífico de vida". [56]
3.6 Animais de estimação em apartamento
Uma das questões que mais têm batido às portas dos tribunais é a possibilidade de permanência ou não de animais em apartamentos. Inúmeras decisões judiciais conferem o direito aos condôminos, mesmo contra a convenção do edifício, de manterem seus animais de estimação, conquanto sejam animais dóceis, de pequeno porte, saudáveis e não perturbem o sossego dos vizinhos. Eis algumas decisões:
Cominatória - Animal doméstico em apartamento - Ação do condomínio - Decisão proibitiva aprovada em assembléia - Inexistência de prova quanto à perturbação, ao sossego, e à segurança. Decisão acertada. Apelo improvido. A decisão condominial aprovada em assembléia geral e regulamentar haverá de ser acatada pelos condôminos. Porém, não subsiste a mandamento judicial quando questionada. Provado nos autos que o animal doméstico de pequeno porte é dócil, não perturba o sossego e a segurança dos demais condôminos, a proibição decidida em assembléia não pode prevalecer, pois viola o direito de propriedade e de liberdade do cidadão. Apelo conhecido e improvido. Legislação: CPC ~ art. 20, § 4º (Ap. Civ. 67796700; Londrina; j. 06.06.1994; unânime; publ. 17.06.1994).
Condomínio. Manutenção de cão em apartamento. Mesmo que a convenção ou o regimento interno a proíbam, a vedação só se legitima se demonstrado o uso de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade ou à segurança dos demais condôminos (Ap. 183023944; 3ª Câm.. Civ.; TARS - Porto Alegre; j. TARS 48/364).
A genérica proibição de manter animais no apartamento, constante da convenção, tem sua finalidade explicitada no regulamento interno: impedir a permanência daqueles. que causem incômodos, perturbem o sossego e se constituam em ameaça à saúde e à segurança dos demais moradores. Se o animal mantido pelo morador não provoca nenhuma dessas situações, sua permanência deve ser tolerada. O simples fato do morador, a despeito da vedação contida na convenção ou regulamento, manter cachorrinho em seu apartamento, não autoriza a aplicação da multa e não é suficiente para sustentá-la (Ap. Civ. 189111313; Porto Alegre; 6ª Câm. Civ.).
Efetivamente, não há por que impedir que os moradores em condomínio permaneçam com seus animais. O fato de as convenções proibirem a presença de animais nos prédios, sem dúvida alguma, tem contribuído sobremaneira para o abandono de cães e gatos nas grandes cidades.
A expansão demográfica, aliada à escassez de recursos públicos para investimentos em saneamento e outras obras de infra-estrutura, tem provocado a verticalização das cidades, com a construção de prédios cada vez mais altos e em áreas antes destinadas exclusivamente a residências. Assim, a especulação imobiliária faz com as áreas mais centrais das cidades acabem supervalorizadas, conspirando contra a manutenção de residências unifamiliares.
Esse fato associado ao crescimento da violência urbana impõe mudanças na qualidade de vida das famílias. As pessoas que antes viviam em casas, em residências unifamiliares e que possuíam animais de estimação, vêm-se obrigadas a morar em prédios de apartamentos. Como as convenções de condomínio não permitem animais, elas não têm outra alternativa a não ser abandonar seus animaizinhos nas ruas.
3.7 Outras decisões em defesa dos direitos dos animais
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atento às normas protetoras dos animais, em decisão prolatada em 14 de setembro de 1998, declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 1.810, de 1998, instituída pelo município de Encruzilhada do Sul, autorizando realização de exposição e competição de aves de raça, briga de galo de rinha. Eis a ementa da decisão:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. COMPETE AO TRIBUNAL DE JUSTICA A TEOR DO ART. 125, PAR-2 DA CF/88, JULGAR AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CUJO OBJETO É LEI MUNICIPAL, EM FACE DE DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AINDA QUE O ÚLTIMO REPRODUZA O TEXTO DA CARTA FEDERAL. PRECEDENTE DO STF. PRELIMINAR REJEITADA. 2. O ART. 13. V. DA CE/89 VEDA QUE A LEI MUNICIPAL AUTORIZE A PROMOÇÃO, PELO HOMEM, DA RINHA DE GALOS, OU SEJA, PROMOVA BRUTALIDADE ANIMAL FORA DE SEU HABITAT E NORMALIDADE, QUE É UMA DAS TANTAS FORMAS ASSUMIDAS PELA CRUELDADE HUMANA CONTRA OUTRAS ESPÉCIES. 3. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.
Acerca da rinha de galos, recentemente, o Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro ajuizou no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.514, com pedido de liminar, contra a Lei Estadual nº 11.366, de abril de 2000, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, com o objetivo de normatizar a criação, exposição e competições entre aves da espécie galus-galus.
Consta que a ação foi ajuizada a pedido do Procurador da República no município de Joinville, Cláudio Valentim Cristian, ao argumento de que a lei estadual catarinense afronta o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que determina ser dever jurídico do poder público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente das práticas que submetem os animais a crueldades.
Segundo manifestação do próprio Procurador-Geral, é inegável que a lei catarinense possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldades, em flagrante violação ao mandamento constitucional.
Outra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul favorável aos direitos dos animais ocorreu no julgamento da Apelação Cível nº 592049746, em 30 de junho de 1992, relator o Des. Milton dos Santos Martins, cuja ementa se transcreve, em razão de seus lapidares ensinamentos:
EMENTA: TIRO AO POMBO. CRUELDADE AOS ANIMAIS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PROTEGE A FAUNA E VEDA CRUELDADE AOS ANIMAIS. DEFENDEM-SE NAO SÓ OS ANIMAIS DE EXTINÇÃO, MAS O PRÓPRIO HOMEM DE SUA AGRESSIVIDADE EM SE COMPRAZER COM TAIS ESPETÁCULOS DE ABATE DESNECESSÁRIO, COMO SE FOSSEM ESPORTE. O TIRO AO POMBO PODE ATENUAR-SE EM TIRO AO PRATO, SEM DANOS MAIORES E EM FAVOR DE UM CRESCIMENTO DA SENSIBILIDADE HUMANA, RESPEITO ENTRE AS ESPÉCIES. (APC Nº 592049746, PRIMEIRA CIVEL, TJRS,) (Grifou-se).
Inusitada e digna de louvor foi igualmente a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 18 de novembro de 1991, que, apreciando o Hábeas Corpus nº 10.166, com origem na comarca de Lages, negou o trancamento da ação penal requerido em favor de cidadão que desferiu tiro de espingarda em um cão.
Também o Poder Judiciário de São Paulo concedeu liminar na Ação Civil Pública no. 2059/053. 00. 031768-6, determinando que a municipalidade de São Paulo, através do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, se abstivesse de sacrificar animais utilizando câmara de descompressão - método altamente cruel de sacrifício - de capturá-los mediante o uso do instrumento denominado cambão ou qualquer outro meio semelhante.
Por derradeiro, merece especial destaque a decisão prolatada pelo Juiz Federal José Sabino da Silveira, no Estado do Paraná, no Mandado de Segurança 2000.70.09.002750-6, impetrado em favor da Sociedade Esportiva Rinhedeiro Pontagrossense, que, segundo consta na inicial, há mais de 72 anos praticava a rinha de galos e repentinamente teve seu estabelecimento fechado pelo IBAMA.
Todos os argumentos expendidos na decisão constituem uma verdadeira fonte de inspiração àqueles que defendem os direitos dos animais. Transcreve-se, contudo, apenas a parte conclusiva da decisão, em razão da extrema sensibilidade do eminente magistrado:
Em conclusão, se eu julgasse procedente o pedido formulado nestes autos estaria fechando os olhos para uma realidade cruel e, quiçá, contribuindo para que amanhã nossos filhos só pudessem ouvir o cantar de um galo em gravações, ou seja, estaria fazendo vistas grossas ao sábio conselho de MANOEL PEDRO PIMENTEL: "Levantem os olhos sobre o mundo e vejam o que está acontecendo à nossa volta, para que amanhã não sejamos acusados de omissão, se o homem, num futuro próximo, solitário e nostálgico de poesia, encontrar-se sentado no meio de um parque forrado com grama plástica, ouvindo cantar um sabiá eletrônico, pousado no galho de uma árvore de cimento armado" (Revista de Direito Penal, 24:91, também sem o negrito no original).
III - DISPOSITIVO
Pelo exposto, denego a segurança e condeno a impetrante nas custas processuais. Sem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ponta Grossa, 18 de dezembro de 2000.
3.8 É errado usar animais como alimento?
Os vegetarianistas pregam o não-consumo de carne, porque para obtê-la faz-se necessário o sacrifício dos animais, o que consideram moralmente errado. Já os adeptos do consumo da carne contra-argumentam afirmando que se os animais comem uns aos outros, não existiria razão para que os homens também não o fizessem. Aduzem, ainda, que se se buscasse eliminar os produtos de origem animal, a humanidade estaria retrocedendo.
A questão parece não ser bem assim. Na realidade a dependência de produtos de origem animal sempre foi em maior escala quanto mais atrasada a civilização. Convém lembrar que a antropofagia era praticada nos primórdios da humanidade. Os homens das cavernas, além da carne, utilizavam as peles dos animais para se abrigarem do frio. Hoje não é mais necessário o uso de peles, pois a humanidade encontrou outras fontes de aquecimento, até mais eficazes. O uso de peles atualmente prende-se exclusivamente ao modismo e à luxúria.
Quanto à alimentação, as técnicas de produção de vegetais e de cereais, e mesmo a engenharia genética para o desenvolvimento de novos produtos de origem vegetal, possibilitam ao homem obter todos os nutrientes necessários a uma vida saudável, sem necessidade de recorrer ao consumo de carne.
O mais grave, porém, no costume de consumir-se carne como alimento, não é tanto a morte do animal, pois, cedo ou tarde todos os seres vivos morrem – a morte é inexorável -, mas a maneira como os animais são criados e abatidos.
Além de serem mortos de forma cruel para servirem de alimento, os animais criados para consumo vivem vidas miseráveis. As aves que se consomem hoje em dia são criadas em espaços minúsculos, com pouca ventilação, tratadas com rações enriquecidas por hormônios, que atrofiam seus corpos, criando peitos muito maiores do que naturalmente teriam, porque a demanda por essa parte das aves é maior do que a de outras. Depois, são transportadas para os abatedouros, empilhadas às dezenas em pequenos caixotes, pisoteando-se umas às outras, muitas delas chegando já mortas ao destino.
Os adeptos da carne, para justificar a criação intensiva de animais para o abate, argumentam que sem o seu consumo a humanidade passaria fome. Porém, esse também é um argumento pouco convincente, já que as grandes áreas de terras utilizadas na criação de animais – gado especialmente - poderiam perfeitamente ser destinadas ao plantio e cultivo de cereais, por exemplo, e aí a produção destes compensaria com sobra o não-consumo da carne. Além disso, convém lembrar que os animais criados em cativeiro consomem grandes quantidades de alimentos que poderiam facilmente ser destinados à alimentação humana.
Na cadeia alimentar, os seres herbívoros são considerados consumidores primários, ou seja, do primeiro nível hierárquico. Já os que se alimentam de carne, os carnívoros, são consumidores secundários. De acordo com estudos, há uma perda de energia a cada nível hierárquico. Apenas 10% da energia de um nível são produzidos a partir do próximo nível. [57]
Em verdade, em vez de os seres humanos se alimentarem diretamente dos vegetais, usam as plantas e os cereais para engordar o gado, as aves e outros animais, cuja carne depois consomem, num desperdício de alimento e energia.
Igualmente não se pode aceitar o argumento de que se os animais não fossem criados para o abate eles não existiriam. Evidentemente que um boi, considerado como um indivíduo em particular, poderia efetivamente não existir, não tivesse ele sido gerado e criado para o abate, mas a espécie bovina, com certeza, existiria na face da Terra, apenas que de maneira livre, sem ser tratada como produto de consumo, como ocorre na Índia, onde o gado é sagrado.
Não resta dúvida de que muito contribuem para a manutenção do consumo de carne as técnicas modernas de apresentação de produtos, com pratos pré-prontos, congelados, que tornam invisível ao homem o sacrifício alheio. Os consumidores não precisam mais, pessoalmente, ‘matar` o animal, limpá-lo e cortar-lhe a carne. As suas mãos estão limpas, não há sangue nelas, por isso nem percebem que para satisfazer seu paladar precisam eliminar uma vida.
Pergunta-se, porém: o direito à vida é, afinal, um direito absoluto? Todos hão de concordar que tirar uma vida de forma intencional, por ação ou omissão, ou por negligência, imperícia e imprudência, é errado. A morte só se justifica em duas circunstâncias: defesa própria ou de outrem e estado de necessidade.
As pessoas que vivem nos grandes centros urbanos não têm necessidade de consumir carne, podem perfeitamente substituí-la, com muito mais vantagens, por produtos de origem vegetal. Em compensação, um esquimó, que vive no Alasca, não pode ser moralmente condenado por abater um animal para se alimentar. Lá não há outra alternativa. Nesse caso, o sacrifício animal é plenamente justificável.
Com certeza, a evolução da espécie humana transformará o homem em um ser puramente vegetariano. Essa é uma questão intrínseca à evolução não só humana, mas de todos os seres vivos. Os cientistas afirmam que os pandas (ursos da China) há milhões de anos eram, como todos os de sua espécie, carnívoros. Com o crescimento da população chinesa e o conseqüente incremento na demanda de terras para o cultivo de lavouras, esses bichinhos viram seu habitat natural reduzir-se gradativamente, a ponto de serem obrigados a viver em regiões cada vez mais altas nas grandes montanhas da China. Com a escassez de presas nos invernos rigorosos nas montanhas chinesas, os pandas sofreram um processo de adaptação: passaram a consumir as folhas tenras do bambu, hoje sua única fonte de alimento. Como as folhas de bambu são fontes pobres em proteína, os pandas passaram a não mais hibernar, como fazem seus parentes polares e americanos, ante a necessidade de se alimentarem constantemente. [58]
Também os cães e os gatos, quando selvagens, são exclusivamente carnívoros. Quantos deles em nossos lares não passaram a consumir frutas, verduras e cereais? O consumo de carne constitui apenas uma questão de hábito, de costume, de gosto e cultura, sendo assim plenamente dispensável, pelo menos nas regiões menos inóspitas do planeta, nas quais a agricultura é perfeitamente praticável.
3.9 Animais: nossos colaboradores
A história da humanidade certamente não seria a mesma, não fosse a presença na Terra dos animais. Desde os tempos mais remotos, os animais têm contribuído, de alguma forma, para o desenvolvimento do homem. O homem pré-histórico sobreviveu graças aos animais: sua carne era usada como alimento e sua pele como abrigo no frio. Sem os animais, a espécie humana teria perecido.
Depois, pouco a pouco, os seres humanos descobriram outras formas de utilização dos animais. Os eqüídeos, a exemplo do que ainda hoje ocorre nas áreas rurais, passaram a ser utilizados como meio de transporte e força motriz. Também do sofrimento dos cavalos obtém-se a vacina antiofídica, que salva vidas humanas da morte por envenenamento decorrente de picada de cobras e outros animais peçonhentos. O processo de fabricação do veneno, como relata Edna Cardozo Dias, é tormentoso:
[....] consiste em se injetar veneno de cobra, escorpião ou aranha em cavalos, para a produção de anticorpos. O impacto do veneno é tão forte que ele precisa ser recebido em três dosagens. Os cavalos são amarados em um tronco, sem chances de defesa, e recebem em dias alternados as doses do veneno. Cheios de dor, arrastam-se até o cercadão, onde descansam alguns dias e voltam ao tronco para serem sangrados. Alguns dias de descanso e recomeça o martírio, que só termina com a morte do animal. [59]
As vacas e cabras, por sua vez, fornecem o leite, fonte de vida que alimenta tanto os recém-nascidos, quando as mães não os podem amamentar, como crianças, adolescentes, adultos e idosos. Dessa riquíssima fonte de alimento derivam todos os produtos do gênero laticínio: queijo, manteiga, nata, iogurte, requeijão, etc. Até os seus dejetos são largamente utilizados, quer como adubo natural, quer como componente de argamassa, para a construção de casas de barro, ou mesmo como combustível, para serem queimados depois de secos. Em muitas regiões, o gado também é utilizado como força motriz para arar a terra, mover moinhos, pilões, etc.
As galinhas, a seu turno, oferecem-nos seus ovos, outra importante fonte de alimento, e também suas penas, para a confecção de travesseiros e acolchoados, que abrigam os humanos nos invernos rigorosos. Até os seus excrementos são adubos naturais bastante eficazes.
Das ovelhas retira-se a lã utilizada na indústria do vestuário. As abelhas nos presenteiam com o seu néctar - o mel – além do própolis, poderosíssimo antibiótico natural, e a cera. Do bicho da seda obtém-se os fios para a confecção desse finíssimo tecido. Na Tailândia, os elefantes transportam toras de madeira há anos.
Os cães, além de guardarem a propriedade contra intrusos, sejam eles humanos ou animais, são, sem dúvida os melhores amigos do homem: auxiliam na locomoção de pessoas deficientes físicas e visuais; na busca e salvamento de pessoas perdidas ou soterradas em avalanches e terremotos. São, ainda, reconhecidamente grandes pastores. Devido à sua grande capacidade olfativa, os cães atualmente têm sido utilizados até mesmo para detectar o transporte de drogas e de material explosivo.
Os gatos, a par da companhia que proporcionam aos humanos, afastam das casas os roedores, grandes transmissores de doenças. A eliminação da população felina provoca um desequilíbrio, infestando as cidades de doenças transmitidas pelos ratos, como a leptospirose..
Os pássaros deleitam-nos com sua beleza e seu cantar, mas também, a exemplo de alguns insetos, são semeadores e polinizadores, contribuindo para a preservação do meio ambiente, que o homem insiste em depredar.
Apesar de toda a contribuição que os animais trazem e já trouxeram ao desenvolvimento da civilização, o ser humano tem sido capaz de atraiçoá-los maltratando-os, mutilando-os, usando-os para testar produtos químicos, biológicos, e atualmente até implantando genes modificados, para testar seus resultados.
Mister se faz que a humanidade se conscientize de que não é dona do planeta, mas apenas uma das milhares de espécies nele existentes e que, por isso, deve viver em comunhão com os outros seres vivos. As outras espécies vivas já existiam na face da Terra antes de o homem surgir e certamente muitos outros continuarão a existir, depois que a raça humana for extinta.
3.10 Abandono de animais
Os seres humanos têm-se tornado, principalmente nas últimas duas décadas, criaturas cada vez mais individualistas e solitárias, por isso muitas vezes só encontram segurança e conforto na companhia de animais. Em razão disso, mesmo sem o uso dos códigos da comunicação verbal humana, os animais, com suas manifestações de afeto e de companheirismo, vêm ganhando cada vez mais espaço na vida dos homens.
E esses bichinhos exigem cuidados especiais. Por isso, as lojas especializadas em comércio de animais de estimação, as chamadas pet shops, transformaram-se, na última década, num grande negócio. Os especialistas dizem que os lucros não param de crescer. Segundo noticiou o jornal Estadão de São Paulo, do dia 6 de novembro de 2001, o presidente da Associação dos Revendedores e Prestadores de Serviços ao Mercado Pet – ASSOFAUNA- Francisco Venturi Regis, estimava que naquele ano o mercado de animais de estimação movimentaria cerca de US$ 750 milhões ao ano.
Além dos animais em si, há toda uma série de produtos que são fabricados para a satisfação e o conforto dos bichinhos de estimação. A linha de alimentos para cães e gatos fatura anualmente enormes somas. De acordo com estimativa do presidente de ASSOFAUNA, "só em ração especial para animais de estimação há um movimento de US$ 624 milhões".
Os produtos de higiene, limpeza, vacinas e medicamentos são outra fonte inesgotável de dinheiro. Além disso, criou-se toda uma rede de serviços em torno dos animais de estimação, especialmente cães e gatos: surgiram clínicas veterinárias, serviços de banho e tosa, de manicure, de hospedagem, de acasalamento, de acompanhamento.
Até serviço de táxi já está à disposição dos animais. Eduardo Almeida Passeri, em entrevista ao jornal Estadão, disse que precisou transportar seus cães entre Cotia e São Paulo, mas teve dificuldades em encontrar quem fizesse o transporte. Por isso teve a idéia de montar esse serviço, passando a faturar cerca de R$ 700,00 por mês.
Infelizmente, na mesma proporção em que cresce o número de animais de estimação, aumenta o de animais abandonados. Muitas pessoas, movidas por impulso, adquirem um animal de estimação, no mais das vezes ainda filhote, ou porque estão solitárias, ou porque o bichinho é bonitinho, ou porque as crianças pediram, mas depois, no primeiro problema que surge, não fazem a menor cerimônia em descartar o animal. Jogam-no fora, o abandonam.
É muito comum ver que cadelas ou gatas com ninhadas inteiras são jogadas nas ruas, descartadas. Segundo estimativa das entidades protetoras dos animais, existe hoje no País cerca de 25 milhões de cães e 11 milhões de gatos, e a tendência é que esse quadro fique cada vez mais caótico, pois enquanto uma mulher é capaz de gerar um único filho por ano, uma cadela gera 15 cães e uma gata, 45 filhotes.
Preocupadas com o crescimento da população de rua desses animais, muitas entidades protetoras dos animais lançam campanhas de esterilização em massa. No Rio Grande do Sul, por exemplo, atuam no controle populacional de cães e gatos por meio de esterilização entidades como o IMEPA – Instituto Metropolitano de Proteção aos Animais, a ARPA – Associação Riograndense de Proteção aos Animais, a UDEVA – União de Defesa da Vida Animal, SOAMA – Sociedade Amigos dos Animais, SOS Animal – Associação Pelotense de Cidadania, GABEA – Grupo de Apoio e Bem-estar Animal, Clube Amigos dos Animais de Santa Maria. Em Santa Catarina destacam-se ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais e a Sociedade Animal. Em São Paulo, dentre outras, atuam a ANIMA, a Animais do Quintal de São Francisco, a AILA – Aliança Internacional do Animal, a Associação Protetora de Animais São Francisco de Assis, Associação Vida Animal – Cães e Gatos sem lar e a UIPA – União Internacional de Proteção aos Animais.
Também os municípios têm legislado sobre o tema da superpopulação de animais de rua, às vezes de forma truculenta, como foi o caso do município de Florianópolis. A Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde e Bem Estar Social da Capital do Estado de Santa Catarina, com base na Lei Municipal nº 1.224 – Código de Posturas do Município - pretendeu pôr em prática o sistema de apreensão e sacrifício de cães capturados nas ruas. A referida lei, acerca do tema, dispõe:
Art. 98 - Todos os proprietários de cães são obrigados a matriculá-los na Prefeitura Municipal, pagando a taxa prevista em Lei.
Art. 99 – Para cada cão matriculado o proprietário fornecerá uma coleira e/o respectivo açaino, sendo gravado na coleira o número da matrícula.
1º- É proibida a permanência de cães nos logradouros públicos, sem que traga açaino e coleira com o número de matrícula.
2º - Os cães de vigia ou de caça, nem mesmo açainados, poderão permanecer nos logradouros públicos.
Art. 100 – Os cães encontrados nos logradouros públicos fora das condições do artigo anterior serão apreendidos e levados para o depósito municipal ou para o Biotério da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo mortos se não forem reclamados no prazo de 3 (três) dias e os não matriculados se não forem reclamados dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
1º- Os cães de raça não reclamados no prazo de 3 (três) dias serão levados a leilão, como o disciplinado neste capítulo.
2º- Os donos de cães retirados do depósito ficam sujeitos ao pagamento de multa 1/10%º de SM, além das despesas de depósito e recolhimento dos tributos devidos.
2º - Os cães portadores de moléstias serão mortos, e, se matriculados notificados os proprietários.
Conforme amplamente noticiado na época em que a Prefeitura de Florianópolis pretendeu implementar a lei, os cães recolhidos eram sacrificados através de métodos cruéis, o que ensejou a Ação Civil Pública [60] proposta pelo Ministério Público, na pessoa do Procurador Dr. Antonio Carlos Brasil Pinto, litisconsorciado com a ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais. A liminar foi concedida, impedindo-se, assim, a implementação do sistema de apreensão e sacrifício da população canina, a chamada carrocinha.
Ao lado da esterilização gratuita ou a preço simbólico dos animais, especialmente daqueles que já se encontram nas ruas e dos que pertencem a pessoas de baixa renda, cuja prole tem grandes probabilidades de tornar-se animal de rua, o poder público, em associação com as entidades de proteção dos animais, deve promover campanhas de conscientização contra o abandono de animais, bem assim como de incentivo à adoção de animais de rua. Essas campanhas devem iniciar-se nas escolas de primeiro grau, pois se as crianças forem educadas a preservar a natureza, a não maltratar os animais e a não abandonar os bichinhos de estimação, cedo ou tarde elas conseguirão reeducar os adultos.
Como se observou neste capítulo, as decisões judiciais reconhecedoras dos direitos dos animais vêm, mesmo que timidamente, se consolidando. A despeito de se constituir em um avanço importantíssimo, toda a jurisprudência favorável aos animais não é suficiente para garantir a efetiva observância de seus direitos. Aliás, se questões relativas aos direitos dos animais batem às portas dos tribunais, isso significa que os animais não estão tendo seus direitos respeitados.
É por isso que se defende, neste estudo, que, antes de tudo, o respeito aos direitos dos animais deve ser encarado como uma atitude ética e moral por parte dos humanos. Os seres não–humanos devem ser incluídos nas nossas considerações morais, pois, como muito bem coloca Sônia T. Felipe:
[...] cada vez que praticamos uma ação que exclui o outro da nossa consideração, acabamos por afirmar interesses egoístas e não racionais. Matar, torturar, destratar, causar danos físicos, psíquicos e morais são atos que confirmam o desejo de exclusão do outro. Eles fazem encolher a moralidade no sujeito que os pratica, ao contrário de afirmar nele a moralidade e de nela fundar os princípios das ações e decisões que afetam os interesses do outro. [61]
CAPÍTULO IV
OS DIREITOS DOS ANIMAIS COMO VALOR ÉTICO E MORAL
4.1 Origem e fonte dos direitos - 4.1.1 Contratualismo - 4.1.2 Jusnaturalismo - 4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais - 4.1.4 Direito como exigência de justiça - 4.2 O direito natural dos animais - 4.3 Seres racionais versus seres irracionais - 4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos - 4.5 O princípio da igual consideração dos interesses de Peter Singer - 4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant.
4.1 Origem e fonte dos direitos
O direito, segundo os estudiosos, possui diversas fontes. No Estado contemporâneo, o direito tem origem basicamente na lei ou nos costumes. Contudo, se quem dita o direito é a lei, e a lei e o costume são produtos do homem, teríamos que para cada ser humano haveria uma lei, um costume e conseqüentemente um direito específico. Como então é possível que todos os homens se submetam às mesmas leis e ao mesmo direito? Para dar conta de responder por que os homens, no mais das vezes, seguem as mesmas leis, foi necessária a construção de uma ficção: o contrato social.
Distingue-se, aqui, dois tipos de direitos: o direito do mundo que se chamará de social, por falta de melhor definição, que é o mundo que o homem cria a partir de sua associação com seus semelhantes. As leis que disciplinam regras de trânsito, da propriedade, do comércio, da economia, das finanças, da família – instituições criadas pelo homem - são dessa espécie. Esse direito tem por fundamento o contratualismo, a subscrição de pactos, pelos quais se estabelecem direitos, mas em contrapartida, também obrigações. Por isso, só pode ser firmado por seres capazes, autônomos, dotados de discernimento e livre arbítrio. Não são direitos eternos, perenes, definitivos. Assim, a legislação que certamente em alguma época da história da humanidade disciplinou a iluminação pública pelo meio de lampiões à querosene foi revogada, sem que se tenha com isso violado direito fundamental algum.
Mas há uma outra espécie de direitos: os direitos do homem no mundo real, enquanto ser vivo, direitos esses que nenhum governo, associação ou poder tirânico podem usurpar, pois que fazem parte da essência do homem. Esses são os denominados direitos fundamentais: direito à vida, à liberdade, à alimentação, à moradia, a ser tratado com dignidade, ou seja, não sofrer violência ou maus-tratos. Tais direitos são intrínsecos ao homem, por sua condição de ser vivo, e independem de pactos, tanto é assim que mesmo seres humanos incapazes – bebês, nascituros, alienados mentalmente, doentes terminais que não têm autonomia e não podem manifestar sua vontade – são sujeitos desse segundo tipo de direitos.
Há uma lei anterior à leis dos homens, que regula toda vida no universo. Desde Aristóteles procurava-se o princípio primeiro, a causa primeira, geradora de todas as coisas, ou o pensamento divino que dirige todos os atos e movimentos, conforme definido por S. Tomás. Também Sófocles diferenciou as leis emanadas da natureza (direito natural) daquelas provindas do Estado (direito positivo), como atesta sua obra Antígona. [62]
Os direitos naturais, por serem intrínsecos ao homem, não se opõem ao direito positivo; aliás, este apenas e tão-somente reconhece aqueles e os complementa. Foi assim com os direitos dos negros de não serem escravizados, o direito de igualdade das mulheres em relação ao homem, o direito dos homossexuais, para citar apenas alguns exemplos.
Mesmo quando positivados, esses direitos tiveram, necessariamente, como base a priori uma aspiração, um desejo, um sentimento de justiça, senão de toda a coletividade, pelo menos de parte dela. Somente depois de séculos de aspirações e mesmo de luta, foi estabelecida, em lei, a abolição da escravatura.
Enfim, o direito inerente ao ser vivo floresce primeiro na mente e nos corações das pessoas, para só depois, muitas vezes ao cabo de muita luta, virem a ser reconhecidos pela lei positiva. É nessa espécie direitos a priori que se incluem os direitos dos animais, muito embora já existam legislações que os reforcem e contemplem de forma positivada.
4.1.1 Contratualismo
Jean-Jacques Rousseau foi um dos expoentes da idealização da teoria do contratualismo. Baseou-se na idéia de que os homens, em estado de natureza, viviam de forma livre, senhores de si e felizes. Entretanto, admitindo que a natureza humana é egoística, os homens acabaram por perceber que, cada qual tendo a liberdade para fazer tudo o que bem entendesse, estavam sujeitos a um único poder: a força do mais forte. Para refrear tais instintos negativos, os homens estabeleceram um pacto, por meio do qual cada indivíduo renunciava a uma parcela de sua liberdade incondicional, conquistando, em contrapartida, maior segurança. Criou-se, assim, o Estado, a quem os homens entregaram parte de sua soberania, cabendo a esse ente ditar as normas e dizer o direito. O conjunto de normas estabelecidas pelo Estado constitui a lei particular, pelo meio da qual os homens, por seus representantes, estabelecem as normas de conduta na sociedade. [63]
Pela teoria contratualista, os seres humanos estabelecem pactos de respeito recíproco: eu me abstenho de tomar pela força o que te pertence, desde que tu também respeites os meus bens.
Assim muitos filósofos – dentre eles John Rawls e David Gauthier, como nos revela Peter Singer [64] – sustentam uma teoria ética baseada na reciprocidade e com isso, conseqüentemente, excluem os animais. Segundo a teoria da reciprocidade, se os animais não nos podem oferecer a contrapartida da nossa abstenção de crueldade para com eles, não haveria por que nos abstermos de maltratá-los.
Essa teoria, contudo, contém uma incongruência: se tal raciocínio fosse levado até as últimas conseqüências, não haveria razão para a humanidade abster-se de praticar violências contra crianças pequenas, recém-nascidos, idosos, incapazes, deficientes físicos, alienados e loucos de todo o gênero, já que eles não podem oferecer a contrapartida da não-agressão. Assim, não só se excluiria do âmbito da conduta ética os animais, mas todos os seres humanos tidos como ‘incapazes’. Depois, gradativamente, cada pessoa alargaria o grupo dos excluídos do âmbito de sua conduta ética na proporção de suas menores inteligência, destreza, agilidade e/ou complexidade física. Exemplificando, por que me abster de praticar atos maus contra meu vizinho, se sou mais inteligente, mais ágil, mais esperto e/ou mais forte que ele?
Ademais, como enfatiza Peter Singer, nessa concepção, "a principal razão para se celebrar o contrato ético é o interesse pessoal". De tal sorte que se assim for - segue o autor:
[...] teremos que rever drasticamente os nossos juízos éticos. Por exemplo: os traficantes de escravos que levaram escravos africanos para a América não tinham nenhuma razão pessoal para tratar os africanos melhor do que tratavam. Os africanos não tinham como retaliar. Se fossem contratualistas, os traficantes de escravos poderiam ter contestado os abolicionistas, explicando-lhes que a ética pára nas fronteiras da comunidade e, como os africanos não pertencem à sua comunidade, não têm quaisquer obrigações para com eles. [65]
Lembra ainda o autor que, tendo por base a teoria da reciprocidade, não haveria razão para preocupação com as gerações futuras, eis que elas não poderão oferecer a contrapartida de uma conduta ética da atual geração. Não haveria motivos de preocupação, igualmente, com lixo nuclear, por exemplo, cuja nocividade dura mais de 250 anos, se cada um dos seres existentes no planeta, atualmente, só viverá, no máximo, entre 80 e 100 anos.
Com embasamento nas digressões efetuadas, forçoso é admitir que a teoria contratualista da reciprocidade não pode fundamentar nem embasar o agir ético do homem.
4.1.2 Jusnaturalismo
O jusnaturalismo propõe a existência de um direito anterior e superior ao direito posto pelo Estado, e que pertence ao homem simplesmente pela condição de sua natureza humana. Muitas foram e têm sido as críticas quanto à existência de um direito natural, que tenha origem na própria natureza das coisas, na ordem cósmica. Roberto Lyra Filho, por exemplo, afirma que "se nos aproximarmos das concepções do que é tomado como natureza das coisas, verificamos que esta é apenas invocada para justificar uma determinada ordem social estabelecida". [66] Por isso, segundo o autor, a natureza das coisas da escravidão poderia ser utilizada como justificativa pelas sociedades em que a escravatura fosse o modo de produção econômico e, portanto, a base da estrutura assente.
Da mesma forma, enfatiza o autor, o direito natural teológico serviu muito bem à estrutura aristocrático-feudal da Idade Média, fazendo de Deus, como enfatiza Lyra, "uma espécie de político situacionista". [67]
Foi só com a contestação burguesa da ordem estabelecida que surgiu um novo direito natural, o antropológico, no qual o homem extraía da própria razão os princípios supremos. Entretanto, chegando ao poder, "a burguesia descartou o jusnaturalismo, passando a defender a tese positivista: já que tinha conquistado a máquina de fazer leis e por que, então, apelar para um Direito Superior?". [68]
Na verdade, enfatiza Lyra, o direito natural não é tanto imobilista, como bastante manhoso: "ele sempre deixa lugar para ‘concretizações’ em que os preceitos atribuídos à natureza, a Deus ou ao próprio esforço racional, tendem a conciliar o padrão absoluto e as leis vigentes". [69], favorecendo a manutenção do status quo. Contudo, quando as tensões sociais aumentam, quando o poder instituído mostra-se prepotente, "costuma reaparecer, com especial atrativo, o velho direito natural. Já se falou, por isso, em ‘eterno retorno’, diante da longevidade jusnaturalista". [70]
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