Os animais – selvagens, silvestres ou domésticos – a exemplo do homem, são detentores de uma dignidade que lhes é própria. Assim sendo, têm direito à vida e a uma existência dignas, resguardadas as características de cada espécie. Como conseqüência desse direito, aos humanos impõem-se o dever e a obrigação, não apenas moral, mas também jurídica, de se absterem de qualquer prática abusiva, violenta, cruel, degradante para com os animais.
Diante disso, sustenta-se que: 1) não são todos os direitos dos seres humanos que devem fazer parte do rol dos direitos dos animais. O homem, por ser dotado de razão, tem direito à educação; já para o animal, forçá-lo ao aprendizado pode caracterizar, e muitas vezes assim o é, dependendo dos métodos utilizados, maus-tratos e abuso. Por exemplo, o "adestramento" dos animais para atuarem nos circos quase sempre faz uso de métodos cruéis. 2) há uma base mínima de direitos inerentes a todos os seres vivos: direito de viver, direito à liberdade, direito de se alimentar, de saciar a sede, de proteger-se do frio, de perpetuar a espécie, de não sofrer violência ou crueldades.
Além disso, a cada espécie, em razão de suas características peculiares, devem ser reconhecidos direitos que lhes são próprios: ao homem, porque dotado de razão e consciência, o direito de instruir-se; aos pássaros, porque dotados de asas, o direito de voarem livremente, constituindo por isso violação a esse direito engaiolá-los; aos peixes, nadar; aos macacos, pular de galho em galho nas florestas; aos animais selvagens, viver livremente na selva, constituindo obrigação da espécie humana, preservar as florestas e as matas, habitat dos animais.
Constitui, ainda, direito dos animais que foram domesticados pelo homem, além de não sofrerem quaisquer tipos de maus-tratos e violências, serem devidamente alimentados, abrigados em ambiente salubre e adequado, não serem obrigados a trabalhar além de suas forças, receberem assistência em caso de doença ou enfermidade. Com isso, quer-se afirmar ser direito dos animais domesticados não ficarem abandonados à própria sorte, pois não mais dispõem dos instintos naturais que os capacitam a uma vida livre, em que possam prover-se a si mesmos.
Em relação ao consumo de carne animal, dir-se-ia que há poucos milhares de anos, o ser humano vivia basicamente da caça. Gradativamente, aprendeu a cultivar a terra e passou a se alimentar também de cereais, vegetais e frutas. Embora nas últimas décadas tenha dominado a técnica da reprodução em massa de animais em confinamento, e com isso criado uma linha completa de alimentos congelados e pré-prontos, que alivia a consciência e a repulsa dos consumidores, pois não precisam cortar a carne, nem lidar com o sangue de suas vítimas, crê-se firmemente que dia chegará em que o homem tomará consciência de que não é correto alimentar-se de seus companheiros de jornada neste planeta. Compreenderá, então, que o valor de uma vida não pode ser relativizado, ele é sempre o mesmo, independentemente de quem seja o seu detentor – um porco ou um ser humano.
Quanto à herança hebraico-judaica que conferiu ao mundo ocidental o direito de explorar aos animais, pois que Deus, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra, propõe-se uma interpretação diversa daquela que vem sendo deduzida. A de que o termo bíblico "domínio", ao invés de ser tomado em sua acepção jurídica "o direito de propriedade que se tem sobre bens móveis ou imóveis", seja tido como "a simples tutela ou guarda outorgada por Deus aos homens sobre os animais, com vistas à proteção destes". Nada mais.
Conclui-se, ainda, ser um argumento bastante frágil aquele que sustenta ser a moral uma construção puramente humana e, assim, os animais, por não terem a compreensão do que significa o agir moral, não fariam jus a um tratamento ético e justo por parte dos humanos. Como contraponto a esse argumento, convém lembrar que os recém-nascidos e crianças até os sete anos de idade, bem como alienados mentalmente e pessoas em estado terminal também não têm consciência de si e não compreendem a moral, mas nem por isso se deixa de evitar o sofrimento desses entes. É irrelevante que os animais possam ou não compreender o sistema moral, o que importa é que eles têm direito a serem tratados com respeito e dignidade, pois são seres que sofrem.
Finalmente, propõe-se que o direito como justo, como devido por justiça é a máxima que deve orientar a conduta do homem não apenas frente ao seu semelhante, mas também em relação aos demais seres vivos, de forma que se transforme em uma legislação universal. Os interesses de todas as espécies vivas do planeta devem ser erigidos como moralmente significantes para o homem.
É a solidariedade e a sensibilidade para com todas as criaturas que torna um homem verdadeiramente humano. Já afirmava o pacifista Mahatama Gandhi que "a grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela maneira com que seus animais são tratados".
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NOTAS
01 SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo : Martins Fontes. 1998, p. 66-67
02 Mesmo sem provas definitivas, os cientistas admitem que a vida, em sua forma mais primitiva, tenha surgido na Terra há 4 bilhões de anos. Os humanos mais rudimentares - os australopithecus africanos (macaco do sul da África) - surgiram na África num período que vai de 5 milhões a 1 milhão de anos atrás, enquanto homo erectus apareceu somente há 1,6 milhões de anos (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 86 e 460).
03 BÍBLIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 1-26.
04 DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. Trad. Márcio Pugliese. São Paulo : Ícone, 1996, p. 11.
05 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo : Revista dos Tribunais. 21ª ed. 1995, p. 30.
06 DUGUIT, Léon. Ob. cit., p. 7.
07 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 47.
08 Idem, ibidem, p. 261
09 ACKEL F., Diomar. Direito dos animais. São Paulo :Themis, 2001, p 26.
10 Idem., ibidem, p.26.
11 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais – o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão : Mantiqueira, 1998, p. 13.
12 BIBILIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 6-19 e 20
13 ACKEL F., Diomar.. Ob. cit., p. 26
14 DIAS, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000, p. 20.
15 Idem, ibidem, p. 22;
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